Título: O último voo do Discovery
Autor: Grandelle, Renato
Fonte: O Globo, 23/02/2011, Ciência, p. 36

Ônibus espacial de 26 anos vai se aposentar após missão de 11 dias

O ÔNIBUS espacial Discovery passa pelos últimos preparativos já na plataforma de lançamento, em Cabo Canaveral, na Flórida

A TRIPULAÇÃO do veículo contará com seis astronautas, que levarão peças de reposição à ISS

DOIS EXEMPLARES do Robonauta 2. Ele será o faz-tudo da ISS: vai limpar as instalações e carregar peso para os pesquisadores

Foram 352 dias em órbita, 5.628 voltas ao redor da Terra e quase 230 milhões de quilômetros percorridos em 38 viagens. Agora, o ônibus espacial Discovery ¿ o mais antigo em atividade, com 26 anos de serviço ¿ está pronto para sua última missão. Amanhã, às 18h50m (horário de Brasília), o veículo levará peças de reposição à Estação Espacial Internacional (ISS). Também vai deixar ali um passageiro ilustre ¿ o Robonauta 2, primeiro humanoide mandado para fora do planeta.

São necessários 11 dias para o Discovery deixar R2 e apetrechos no espaço e, depois, voltar a Cabo Canaveral, na Flórida. Quando retornar, vai se tornar o primeiro ônibus espacial a ser aposentado pela Nasa ¿ o Columbia e o Challenger, mais antigos, explodiram. O veículo, então, vira peça de museu e deve ser incorporado ao acervo do Instituto Smithsonian, em Washington.

A jornada do Discovery marca o início do fim de uma era da exploração espacial. Pouco depois da estrutura, os dois ônibus espaciais remanescentes encerrarão também seus serviços ¿ o Endevour, em abril, e o Atlantis, em junho.

Cada missão custa até US$500 milhões

Os veículos dominam as atividades em órbita desde o início dos anos 80, quando foram eleitos como a melhor opção para levar astronautas e equipamentos para o espaço. Esta função foi cumprida em mais de 120 viagens. No currículo do Discovery, por exemplo, está o lançamento do telescópio espacial Hubble, que, com as informações já coletadas, revolucionou as pesquisas de astronomia. Nos primórdios da era dos ônibus espaciais, pensava-se que os veículos poderiam realizar dezenas de viagens por ano. Logo ficou provado que seus idealizadores sonharam alto demais.

¿ Trata-se de um equipamento excepcionalmente caro. Cada missão custa cerca de US$500 milhões ¿ destaca José Bezerra, engenheiro da Divisão de Sistemas Espaciais do Instituto de Aeronáutica e Espaço. ¿ O que aumentou muito seu custo foi o desejo de torná-lo multifuncional, ou seja, transportar tanto cargas quanto pessoas. Para construir um ambiente como este é preciso cercar-se de cuidados. Depois de cada voo, por exemplo, inspeciona-se toda a proteção térmica, composta por milhares de pequenas estruturas. Só a realização deste trabalho pode demorar seis meses.

Bezerra garante, no entanto, que a dinheirama foi bem gasta. Dois veículos tiveram sua trajetória encurtadas por explosões ¿ o Challenger, em 1986, e o Columbia, em 2003. Ainda assim, o reino dos ônibus espaciais chega ao fim com um saldo positivo. As estruturas foram fundamentais para construir a ISS. Também mantiveram a atividade humana no espaço, quando, ainda nos anos 70, o governo americano descartou a realização de novas viagens à Lua.

¿ O Discovery cumpriu sua primeira missão em 1984, mas, ainda assim, não está defasado ¿ assegura. ¿ Sua tecnologia eletrônica, a proteção térmica, o combustível, tudo permanece atual. O que o tornou inviável, assim como os outros ônibus espaciais, foi seu custo de operação.

Na agência espacial americana, o quase aposentado Discovery merece palavras carinhosas do diretor de testes Jeff Spaulding:

¿ Foi um veículo memorável, que ainda tem alguns quilômetros pela frente até ir dormir. Ele nos levou a muitas jornadas incríveis nestes anos, e esperamos que este voo não seja diferente dos outros.

À frente do Discovery estará uma tripulação veterana composta por seis astronautas. Um deles, Stephen Bowen, foi integrado à equipe no mês passado, depois que o ¿titular¿, Timothy Kopra, machucou-se andando de bicicleta. O voo estava previsto para novembro, mas teve de ser adiado devido às más condições meteorológicas e a manutenções no sistema de pressurização.

Com a saída de cena dos ônibus espaciais, a Casa Branca entregou o frete de cargas para a ISS à iniciativa privada. A Nasa já assinou contratos de mais de US$3,5 bilhões com duas empresas capacitadas para cumprir esta função. Outras estariam interessadas em entrar no páreo, levando, inclusive, um elemento cuja presença fora do planeta ainda é uma novidade ¿ turistas. Apenas sete já conheceram o espaço, os últimos em 2009. A Rússia promete fazer a fila andar novamente a partir do ano que vem.