Título: Ficha e vida limpas
Autor: Filho, Rui Guilherme de Vasconcellos Souza
Fonte: O Globo, 24/02/2011, Opinião, p. 7

A Constituição Federal dispõe que lei complementar fixará outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições.

Da iniciativa popular surgiu um artigo em 1990, estabelecendo a cassação do registro ou do diploma de candidato condenado por compra de voto sem, no entanto, imputar-lhe inelegibilidade.

Essa situação foi alterada pela Lei Complementar nº 135/2010, a Lei da Ficha Limpa, também fruto da iniciativa popular. A partir dela, a condenação por compra de voto torna a pessoa inelegível por oito anos. É entendimento pacífico do Tribunal Superior Eleitoral. O eminente ministro Ricardo Lewandowski sustenta que a inelegibilidade de político incurso na Lei da Ficha Limpa não é pena acessória, e, sim, condição de elegibilidade. Por isso, o aspirante a cargo eletivo que for inelegível terá recusada a sua candidatura. Tecnicamente, a resposta é esta: candidato enquadrado nas hipóteses da Lei da Ficha Limpa não pode registrar sua candidatura. É inelegível e inelegível é alguém que não pode ser eleito, ainda que possa votar.

Elegibilidade, por sua vez, é direito político do cidadão, mas não de todo cidadão. O analfabeto pode alistar-se como eleitor e votar. Não pode, contudo, sair candidato. Ao magistrado é proibido filiar-se a partido político e este não pode, enquanto perdurar tal situação, requerer registro de candidatura. Eleitor com 20 anos de idade pode ser candidato a vereador, mas não a prefeito, pois a idade mínima para candidatar-se a prefeito é de 21 anos. Os exemplos não exaurem as situações de inelegibilidade, servindo apenas para didaticamente distinguir condições de elegibilidade de inelegibilidade.

O pedido de registro da candidatura começa quando a pessoa apresenta seu nome para disputar a eleição. É decisão individual. Conhecendo melhor que ninguém a própria vida, deverá fazer o questionamento ético, diante de sua consciência, se pode ou não pode submeter seu nome à legenda partidária que lhe oferece abrigo. A seguir, em termos puramente éticos, caberá ao partido político decidir se o pré-candidato merece sair candidato ou se, por ter a "ficha suja", é melhor não submeter nem a pessoa nem a legenda ao constrangimento de não lhe ser acolhido o pedido de registro da candidatura.

A Lei consagra a vontade do povo de expurgar do cenário nacional o político que, por ato de sua vida pregressa, tem "ficha suja", reservando o exercício do poder somente para quem não teve seu nome enodoado. É para o político de vida limpa que o povo quer entregar o exercício do poder. Poder que, embora vetusto o refrão, continua o mais sólido alicerce da democracia: todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.

RUI GUILHERME DE VASCONCELLOS SOUZA FILHO é vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros.