Título: Despreparo total
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 31/07/2009, Brasil, p. 7

Julio acredita ter contraído o vírus A (H1N1) de um argentino que estaria contaminado com a gripe suína

Há exatos 46 dias, o relações públicas Julio Cardia, de 25 anos, acredita ter se contaminado com o vírus A (H1N1), em viagem a Buenos Aires, na Argentina. Cardia acha que contraiu a doença durante uma festa, às vésperas de seu retorno ao Brasil. ¿O lugar era pequeno e abafado. Deve ter sido lá mesmo¿, relata. Apesar dos riscos que a enfermidade acarreta, ele diz que não teve medo ou arrependimento, inclusive do beijo trocado com Diego, um rapaz argentino que, segundo Cardia, poderia estar com a gripe suína ¿ a troca de fluidos é uma das formas de se contrair a doença. Febre alta repentina, calafrios, palpitações e coriza foram os sintomas apresentados pelo jovem já durante o voo que desembarcou no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

Testemunha da falta de preparo dos órgãos responsáveis pela fiscalização sanitária, tanto no Brasil quanto no exterior, e da companhia aérea que o levou da Argentina a São Paulo e o trouxe da capital paulista a Brasília, Julio Cardia assegura que o governo não está preparado para enfrentar a gripe suína. ¿Se surgir algum vírus mais forte, vai ser um caos aqui. Os funcionários não estão treinados e há falta de informações básicas¿, afirma. ¿Durante o voo de Buenos Aires a São Paulo, não houve aviso sonoro ou qualquer orientação aos passageiros. Somente no trecho São Paulo-Brasília é que ouvi um alerta sobre a doença e os possíveis sintomas. Depois desse aviso, percebi que poderia estar contaminado.¿

No Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, o rapaz procurou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não havia funcionário algum. Em seguida, foi até o posto de saúde do terminal, onde recebeu orientação para voltar ao escritório da autarquia federal. Depois de muitas idas e vindas, finalmente foi orientado a procurar o Hospital Regional da Asa Norte (Hran), único centro de referência da gripe suína em Brasília. ¿Só fui atendido porque procurei informações. Caso contrário, não sei o que poderia ter acontecido.¿

Depois de passar o feriado de Corpus Christi na capital argentina acompanhado de dois amigos ¿ uma das colegas, que participou da festa, também contraiu a doença ¿, Cardia fez o exame na mesma noite que desembarcou em Brasília, no Hran. ¿Eles não tinham o tamiflu (medicamento utilizado no tratamento da gripe suína). Recebi no dia seguinte, em minha casa, mas ainda estava dentro do prazo de 48 horas para iniciar o tratamento com o remédio¿, diz o morador do Guará II. Além do tamiflu, Cardia também recebeu receita para tomar paracetamol, medicamento para amenizar sintomas da gripe.

Ameaça Orientado a ficar em repouso durante o tratamento da enfermidade, Cardia revela que chegou a ser ameaçado por uma funcionária da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. ¿Segundo a mulher, uma vizinha teria denunciado que eu estaria andando na varanda da minha casa e que, se isso voltasse a ocorrer, o GDF poderia me processar. A única vez que coloquei a cabeça para fora de casa foi para pegar o tamiflu.¿

O exame que confirmou o diagnóstico positivo para a gripe A foi divulgado em 19 de junho, uma sexta-feira. ¿Passei muita raiva naquele dia, pois precisava saber se poderia participar das aulas na pós-graduação. Liguei para o Adolfo Lutz (laboratório paulista que realiza os exames) e eles informaram que o resultado já estava com o Ministério da Saúde. Só fiquei sabendo às 19h, depois de diversas ligações¿, conta Cardia, que se curou em 24 de junho.