Título: Italia frente a frente com Berlusconi
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Fonte: O Globo, 24/02/2011, Opinião, p. 6

Na Itália dos anos 80, a Mãos Limpas cortou fundo um mundo de corrupção em que políticos, empresários e mafiosos viviam em proveitosa promiscuidade. Foi enorme o impacto desse tour de force judicial na vida italiana. Na política, grandes partidos desmoronaram, outros menores foram criados, numa enorme fragmentação. Antes dominada pela Democracia Cristã, secundada pelo Partido Comunista Italiano, a política italiana perdeu muito do charme. Até porque a operação Mãos Limpas lançou os políticos em descrédito. Os novos heróis passaram a ser os magistrados.

Foi neste ambiente que cresceu a ambição do megaempresário milanês Silvio Berlusconi. Já bilionário e dono de um império de comunicação, ele percebeu o vácuo político e, em 1993, fundou seu próprio partido, Força Itália ¿ refrão usado pela torcida de seu clube de futebol, o Milan. No ano seguinte, tornou-se primeiro-ministro numa coalizão com os direitistas Aliança Nacional (herdeira do fascismo) e Liga Norte (separatista). Durou apenas sete meses. Mas, em 2001, ele estaria de volta ao poder, com os mesmos companheiros. Em 2006, perdeu a segunda eleição para Romano Prodi, de centro-esquerda (a primeira foi em 1996), mas bateu um recorde: chefiou o mais duradouro governo italiano no pós-guerra.

Com a disputa restrita a Berlusconi, Prodi e respectivas coalizões, em 2008 o empresário estava de volta ao cargo de premier na coalizão Povo da Liberdade. Durante todo o período em que comandou a Itália, o Cavaliere, como é chamado, esteve às voltas com a Justiça, sob acusações de fraude fiscal, apropriação indébita e tentativa de suborno. Defendeu-se com unhas e dentes: acusando promotores e juízes de persegui-lo, fazendo aprovar leis em sua defesa e usando artifícios para que os crimes prescrevessem.

A Mãos Limpas descobriu muita podridão. Infelizmente, o governo Berlusconi não elevou o padrão da maneira que seria necessária para beneficiar a Itália. Em 2009, depois de a mídia dar conta de um relacionamento não suficientemente esclarecido com uma menor, sua segunda mulher pediu o divórcio. A partir daí, escândalos sexuais em festas promovidas pelo premier passaram a frequentar as manchetes, de novo envolvendo menores, inclusive uma brasileira. Berlusconi ainda sobreviveu a votos de desconfiança no Parlamento; o último, em dezembro, por apenas três votos, após ter sido abandonado pelo aliado Gianfranco Fini, da Aliança Nacional.

Seu próximo desafio parece mais difícil: uma juíza de Milão ordenou que seja julgado pelas acusações de pagar a uma menor por sexo e abusar de seus poderes na tentativa de encobrir o caso. A primeira audiência do julgamento está marcada para 6 de abril.

Berlusconi é um sobrevivente e não se deve subestimá-lo. Mas agora é provável que a Justiça leve a melhor. Seja como for, com tantos interesses pessoais envolvidos, o Cavaliere não parece a pessoa mais indicada para conduzir o país nestes tempos difíceis de profunda crise fiscal. A Itália é a maior das economias em perigo na União Europeia, com uma dívida pública de 115% do PIB, que cresceu apenas 1,1% no ano passado, depois de uma contração de 5,1% em 2009. Sem credibilidade no governo, tudo fica mais difícil.