Título: Assim no plano como no SUS
Autor: Alves, Maria Elisa
Fonte: O Globo, 24/02/2011, Rio, p. 14

Emergência lotada, demora no atendimento, pacientes revoltados que abandonam o hospital, cansados de esperar. O drama que sempre se desenrolou na porta de hospitais da rede pública do Rio tem mudado de endereço. Com o o crescimento do número de usuários de planos de saúde ¿ dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que, nos nove primeiros meses do ano passado, a adesão subiu 6,3%, o que significa um acréscimo de cerca de 2,6 milhões de pessoas em todo o Brasil ¿, hospitais privados passaram a sofrer os mesmos problemas. Uma equipe do GLOBO visitou, na última segunda-feira e anteontem, duas emergências escolhidas aleatoriamente, apenas a título de exemplo ¿ a do Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, a maior da cidade, e a do Copa D¿Or, em Copacabana, uma das mais procuradas da Zona Sul ¿ e constatou que o tempo de espera para receber atendimento tem sido semelhante nas duas unidades: duas horas em média. Em alguns casos, a emergência da rede pública foi até mais rápida.

¿ O atendimento está mais rápido na rede pública e demorado na privada, como um todo. Enquanto a rede pública tem conseguido desafogar os hospitais, com o programa Saúde em Família e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), as emergências da rede suplementar têm recebido mais pacientes, que não conseguem rapidez para marcar consultas pelo plano de saúde e acabam indo para o hospital. Esse modelo, que sempre foi da rede pública, está migrando para a privada ¿ diz Pablo Queimados, diretor-secretário do Conselho Regional de Medicina (Cremerj).

Casos menos graves lotam os privados

Na porta do Copa D¿Or, um dos hospitais, entre tantos outros privados, que sofrem com o aumento da procura, era possível perceber a insatisfação dos usuários. De dez entrevistados, seis consideraram absurdo o tempo de espera. Outros dois, embora tenham aguardado mais de duas horas, relevaram o problema diante do bom atendimento. Apenas dois pacientes foram atendidos em menos de uma hora ¿ um senhor com artrose e um rapaz com conjuntivite, que foi passado à frente dos demais por estar com tuberculose.

Presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze diz que os hospitais privados enfrentam o mesmo problema dos públicos: a falta de pessoal. Por isso, trabalham com equipes que ficam de sobreaviso ¿ especialistas chamados em caso de necessidade ¿, aumentando o tempo de espera.

Esse não é o caso do Copa D¿Or, que tem 22 médicos em cada plantão de 12 horas. Lá, o problema é outro:

¿ O número de pacientes cresce 10% ao ano, mas nossa capacidade física é a mesma. Por isso estamos investindo R$5 milhões para ampliar a emergência. E pretendemos fazer outro hospital bem próximo ¿ diz o diretor do hospital, Rodrigo Gravina, que relata ainda outra dificuldade. ¿ Oitenta por cento dos casos que atendemos são ambulatoriais. Esses pacientes esperam mais mesmo. Nossa prioridade é atender os casos graves. Os outros casos são atendidos, em média, em 25 minutos. Mas há dias em que pode levar duas horas, depende.

Na porta do Souza Aguiar, a situação é diferente. Uma enfermeira faz a triagem, e casos que podem ser resolvidos em postos de saúde estão sendo, desde o ano passado, encaminhados para essas unidades. Na segunda-feira, por exemplo, um rapaz com conjuntivite foi recusado na emergência.

¿ Com a triagem, já conseguimos reduzir o atendimento em mais de 20 mil pessoas por ano só no Souza Aguiar. Além disso, reduzimos o tempo de espera em 20% este ano. No início da nossa gestão, a média era de duas horas e meia; agora é de 40 minutos ¿ diz o secretário municipal de Saúde, Hans Dohmann, que pretende implementar a triagem em toda a rede. ¿ Aumentamos muito a oferta de pronto atendimento com as UPAs. Isso de fato desafoga as emergências.

A diferença é sentida na prática: dos dez entrevistados no Souza Aguiar, só dois mostraram-se insatisfeitos. Um deles foi Eliane Gomes, que ficou três horas à espera de medicação e foi embora antes de recebê-la. Já o soldador Leandro Santiago era só elogios: ele levou duas horas para ser liberado, após ter dado entrada com ciscos de ferro nos olhos, resultado de um acidente de trabalho. Marcelo de Oliveira, com uma contusão no tendão, levou meia hora para ser atendido e uma hora para ser liberado:

¿ Meus filhos têm plano de saúde. Na última vez en que fui a uma clínica particular com eles, a senha era 36. Esperamos muito.

João Paulo Araújo, auxiliar de serviços gerais, teve menos sorte: demorou quatro horas e dez minutos para deixar o hospital, com o braço engessado após cair de uma laje. Mesmo assim, não reclamou:

¿ Fui bem atendido. Depois que fui para o raio X, foi tudo rápido.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a respeito da percepção dos pacientes sobre o SUS, mostra que a maioria dos usuários tem avaliado positivamente a atuação da rede pública. No setor de emergência, por exemplo, 48,1% dos 2.773 entrevistados no país disseram que o serviço era bom ou muito bom, contra 31,4% que avaliaram como ruim ou muito ruim. No Sudeste, 52,8% do usuários acharam que as emergências são boas ou muito boas. A pesquisa mostrou ainda que a percepção muda: quem tem plano de saúde acha o SUS pior do que quem o usa.

¿ Acho que a classe média tem uma expectativa diferente. Ela quer ser atendida em dez minutos. O paciente di SUS agradece por ter conseguido atendimento ¿ diz Gravina.