Título: Kagafi luta para manter o oeste
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Fonte: O Globo, 24/02/2011, O Mundo, p. 35

TRÍPOLI

Com grandes partes do leste do país fora de seu controle, o ditador líbio, Muamar Kadafi, reforçou ontem com milhares de mercenários africanos a segurança na capital, Trípoli, enquanto trava uma batalha desesperada para manter o comando do oeste. Mas cidades próximas à capital, como Zawiya e Misurata, já estariam sob o controle dos opositores, enquanto cresce o número de militares que se recusam a atacar civis. Após uma semana de protestos, o país parece caminhar para um confronto decisivo, com opositores planejando um grande protesto em Trípoli.

¿ Mensagens chegam por celular falando de um protesto geral na sexta-feira (amanhã) ¿ contou um morador da capital.

O oeste é, agora, o alvo dos violentos confrontos, e Kadafi enviou milhares de soldados para a região na tentativa de conter o avanço da revolta. Refugiados líbios que chegam à Tunísia contam que houve duas noites de combate entre as tropas e os rebeldes em Sabratha, onde há um importante sítio arqueológico, a 80 quilômetros de Trípoli.

¿ Os Comitês Revolucionários estão tentando matar todos que são contra Kadafi ¿ disse um médico de Sabratha após fugir para a Tunísia.

Militares desertores são executados

Os manifestantes afirmam ter tomado o controle de Misurata, uma importante cidade do oeste. A bandeira monarquista teria sido hasteada em Zawiya, a 50 quilômetros de Trípoli, e Tajura, a apenas 16 quilômetros da capital. Mas forças leais ainda tentam retomar o controle dessas cidades e bloqueiam as estradas que levam a elas.

Trípoli está praticamente fechada. Quatro tanques foram enviados para seus arredores, bloqueando o tráfego para o leste, de onde estariam vindo desertores para apoiar os manifestantes. Com o comércio e escolas fechadas, a capital parecia ontem uma cidade-fantasma, com o silêncio sendo cortado por tiros. Mercenários abriram fogo contra pessoas numa fila para comprar pão no bairro de Fashloum, segundo testemunhas. Funcionários públicos ignoraram a convocação do governo para voltar ao trabalho, permanecendo em casa por medo dos confrontos. Policiais, soldados e mercenários africanos são as únicas pessoas nas ruas.

¿ Por todo lado há mercenários com armas. Não se pode abrir a porta ou a janela. Os atiradores caçam a gente ¿ disse uma moradora, acrescentando que os tiros a mantiveram acordada toda a noite. ¿ Estamos sob sítio.

Fontes afirmam que o apoio das Forças Armadas ao regime está caindo. Dezessete pilotos foram executados ontem por se recusarem a bombardear Zawiya, segundo relatos. Não foram os únicos a se negarem a atacar civis. Dois pilotos da Força Aérea se ejetaram de um caça depois de receberem a ordem de bombardear campos de petróleo perto de Benghazi, segunda cidade do país e em mãos dos revoltosos. O avião caiu numa área desabitada, informou o site líbio ¿Quryna¿.

Segundo a revista ¿Time¿, Kadafi teria ordenado dias atrás às forças de segurança sabotar as instalações petrolíferas e oleodutos como uma mensagem a líderes tribais: que não há opção a não ser o seu controle. A fonte líbia ouvida pela revista afirmou que o ditador só teria agora o apoio de sua tribo, Kadafa.

Um militar contou ao jornalista Nicholas Kristof, do ¿New York Times¿, que três navios de guerra receberam a ordem de atacar Benghazi, mas que a tripulação estava dividida sobre o que fazer. Segundo o chanceler italiano, Franco Frattini, cerca de mil pessoas já morreram nos confrontos. Frattini ouviu da Embaixada da Itália em Trípoli que a região de Cirenaica, no leste, não é mais controlada por Kadafi. Grupos de direitos humanos falam em 640 mortos.

Os primeiros jornalistas a entrarem no país, através da fronteira com o Egito, são recebidos com festa na região tomada pela oposição. Nessas cidades, a situação contrastava com o clima de terror em Trípoli. Milhares de líbios comemoravam a tomada de Benghazi. Eles faziam o sinal da vitória, carregavam bandeiras do tempo da monarquia e eram amigáveis com estrangeiros, oferecendo carona aos jornalistas. ¿Bem-vindos, bem-vindos¿, diziam. Em al-Bayda, bancos e escritórios reabriram, dando uma sensação de normalidade.

¿ As pessoas querem que as equipes de reportagem mostrem o que está acontecendo ¿ disse Mandy Clark, da rede americana CBS.

O governo, no entanto, acusou os jornalistas estrangeiros de serem aliados da rede terrorista al-Qaeda, disse que sua entrada é ilegal e que serão considerados ¿foras da lei¿. Como os jornalistas ainda estão longe da capital, as informações vêm de moradores, opositores e ONGs.

Avião levaria filha do ditador a Malta

Em Bruxelas, os 27 países da União Europeia concordaram em impor sanções à Líbia, incluindo possíveis congelamento de bens de membros do governo, restrições a viagens e embargo de armas. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, foi mais longe e pediu que a Europa suspenda todos os laços econômicos com o país. Especialistas vão agora elaborar uma lista de medidas. A UE teme, no entanto, que a segurança de europeus no país seja afetada pela decisão. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama disse que ordenou a seu governo preparar ¿uma gama de opções¿ para responder à violência na Líbia.

A família de Kadafi pode estar tentando deixar o país. Um avião líbio que alegava estar com pouco combustível não recebeu permissão para pousar em Malta por falta de plano de voo. O avião teve de retornar. Segundo a TV árabe al-Jazeera, ele levava Aisha, filha do ditador, a bordo. No final da noite, Aisha apareceu na TV estatal negando que tentava fugir do país.