Título: Sinais positivos na política externa
Autor:
Fonte: O Globo, 25/02/2011, Opinião, p. 6

Presidente eleita, Dilma Rousseff concedeu entrevista ao "Washington Post" em que criticou a condescendência da diplomacia brasileira com o desrespeito aos direitos humanos no Irã. A pergunta tratava da condenação à morte de Sakineh Ashtiani por apedrejamento, considerado um ato "medieval" por Dilma.

Aquela declaração, a primeira em sentido contrário ao do governo anterior, teve várias "leituras". Era cedo para ser identificado um movimento - necessário e correto - de revisão da diplomacia companheira executada nos oito anos de governo Lula, nos quais o principal motor da política externa foi o antiamericanismo. Mesmo que a imagem do Brasil passasse a ser manchada pelo convívio dócil com alguns dos mais autoritários regimes e respectivos ditadores. O sanguinário Muamar Kadafi foi considerado "amigo" por um sorridente Lula, mesma postura assumida perante os irmãos Castro - enquanto um preso político morria em greve de fome na cadeia - e Ahmadinejad, mestre-sala de uma não mesmo sanguinária ditadura teocrática no Irã.

A interpretação mais cautelosa, à época, preferia creditar a posição assumida por Dilma Rousseff à sua condição de mulher - Sakineh é viúva, acusada de adultério e de um suposto assassinato - e também de vítima da violência do Estado, como a iraniana.

Os acontecimentos vertiginosos em curso no Norte da África, Oriente Médio, com reverberações no Irã, forçaram, porém, a que o governo Dilma aplicasse na prática o discurso assumido logo após a vitória eleitoral de defesa de uma política externa mais equilibrada. Pode-se entender: com menos viés antiamericanista e defensora dos valores universais. Seja para criticar torturas em Guatánamo ou barbaridades cometidas contra oposicionistas nos porões dos aiatolás persas.

A selvagem reação de Kadafi ao movimento contra a sua ditadura de 42 anos, ao despachar aviões, navios e tanques para bombardear a própria população, apanhou o Brasil na presidência do Conselho de Segurança da ONU. A embaixadora Maria Luiza Viotti fez o que deveria e condenou com veemência Kadafi. E foi adiante, ao apoiar proposta da Inglaterra para que uma reunião extraordinária do Conselho de Diretos Humanos da ONU - será hoje em Genebra - instaure uma investigação sobre as atrocidades cometidas pelo ditador líbio. Votaram contra, entre outros, Cuba e Venezuela, bons amigos da diplomacia companheira.

O tom brasileiro havia sido dado pelo chanceler Antonio Patriota, na segunda, em São Paulo, na véspera da reunião do Conselho de Segurança: "O Brasil repudia atos de violência contra manifestantes desarmados e vemos com grande preocupação os desenvolvimentos na Líbia. Parece que alcançaram um padrão de violência absolutamente inaceitável." Nada de ironias, de metáforas futebolísticas para tentar reduzir os conflitos a brigas entre torcidas, tampouco comparações descabidas de prisioneiros políticos com criminosos comuns. Se a postura assumida pela diplomacia brasileira esta semana, no caso da Líbia, for confirmada na reunião de hoje em Genebra e na avaliação do respeito, ou desrespeito, aos diretos humanos no Irã, a ser feita também em Genebra nos próximos dias, o governo Dilma terá de fato patrocinado o reencontro da diplomacia brasileira com suas melhores tradições.