Título: Por nova campanha de desarmamento
Autor:
Fonte: O Globo, 26/02/2011, Opinião, p. 6

Feita pela ONG Instituto Sangari, a partir de dados do Sistema de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde, a 12º edição do Mapa da Violência, divulgada quinta pelo Ministério da Justiça, é um instantâneo dramático da situação da segurança pública no Brasil. Mesmo montado com estatísticas referentes a 2008, o trabalho é atual e deveria levar as autoridades da área, em todos os níveis da administração pública, a pensar. Embora tenha havido reduções nada desprezíveis nas taxas de homicídios em estados importantes como São Paulo e Rio, não só os índices, nestas regiões, continuam altos em relação a padrões desejáveis, como a carnificina se mantém solta, com destaque para o Nordeste.

No levantamento, a taxa de homicídios por grupo de 100 mil habitantes, em São Paulo, foi, em 2008, de 14,9, a 25ª maior do Brasil, situando o estado em antepenúltimo lugar no ranking nacional. Mas, em 1998, São Paulo era o quinto estado mais violento. No Rio de Janeiro também houve avanços. Porém, como as mudanças para melhor na política de segurança ocorreram bastante depois das verificadas em São Paulo, a queda no ranking não é tão grande: com 34 homicídios por 100 mil, o estado se encontrava em 7º lugar na relação de 27 estados, melhor que a terceira posição ocupada em 1998.

Tanto Rio quanto São Paulo estão acima da taxa de 10 homicídios/100 mil, considerada o máximo aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Acima disto, diz-se existir uma violência epidêmica. Mesmo o estado com menor índice (12,4), Piauí, fica acima do limite. Bem como a média brasileira: 26,4. Quando se olham os dados com lupa, o quadro se agrava, pois as principais vítimas são jovens de 15 a 24 anos - quase 40% dos assassinados em 2008 estavam nesta faixa etária. Para completar a tragédia, os assassinos também costumam ser jovens. Assim, a taxa de homicídios de pessoas de 15 a 24 anos chegou, em 2008, a 52,9/100 mil, bastante acima da média nacional - era 30 em 1980. Há três anos, 50.113 pessoas foram mortas, 137 por dia, e, entre os jovens, 18.321. Há uma mortandade genocida, principalmente entre adolescentes e jovens adultos, a ponto de comprometer, em certa medida, o próprio futuro do país. O "bônus demográfico" brasileiro - grande contingente de jovens entrando na população economicamente ativa - está em fase de dilapidação.

Diante dos números, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, pensa em relançar a campanha do desarmamento. Providência acertada. Lançado no final de 2003, como parte do Estatuto do Desarmamento, o programa recolheu, mediante indenização, enorme quantidade de armas em posse de cidadãos sem problemas com a lei. Como prova de que este arsenal causa muitas mortes - em brigas de vizinho, no trânsito e também abastece, por roubo, a bandidagem -, de 2003 a 2006 o Ministério da Saúde calculou uma queda de 17% nas mortes por armas de fogo. Apenas em internações evitadas de feridos, o SUS deixou de gastar R$93 milhões. O Estatuto se mostrou uma lei correta, ao dificultar a posse e porte de armas. Infelizmente, o referendo sobre o comércio manteve abertos os balcões de venda de armamentos. Mas alguma barreira foi erguida contra a banalização da violência. Porém, como o comércio continua aberto - apesar das dificuldades legais - e pelas fronteiras brasileiras tudo pode entrar, é hora mesmo de nova campanha.