Título: Obama sob pressão
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 31/07/2009, Mundo, p. 16

Embaixador brasileiro nos EUA vai pedir mais explicações sobre a instalação de bases na Colômbia

O chanceler Celso Amorim (D) recebe no Itamaraty o colega Miguel Ángel Moratinos: Brasil e Espanha alertam para risco de militarização no continente

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, vai ser questionado pelo Brasil, por vizinhos sul-americanos e até pela Espanha sobre o que seu governo pretende com o acordo (em negociação) para que militares norte-americanos possam operar em pelo menos três bases aéreas na Colômbia. O ministro Celso Amorim anunciou ontem no Itamaraty que o embaixador brasileiro em Washington, Antônio Patriota, foi instruído a pedir informações ao Departamento de Estado sobre os termos exatos da cooperação, que tem causado ondas de choque no continente desde que foi confirmada pelos governos de Washington e Bogotá.

As notícias sobre a cooperação se tornaram pivô de mais uma crise entre o presidente colombiano, Álvaro Uribe, e o colega Hugo Chávez, que retirou seu embaixador de Bogotá e denunciou um ¿plano de invasão gringa¿ contra a Venezuela. A crise diplomática e ¿ principalmente ¿ os planos dos EUA para aumentar sua presença militar na vizinhança dominaram a agenda de duas visitas de alto nível recebidas ontem pelo Brasil: a do chanceler espanhol, Miguel Ángel Moratinos, que se reuniu em Brasília com o colega Celso Amorim, e a da presidenta chilena, Michelle Bachelet, que se encontrou com o presidente Lula em São Paulo.

¿Em algum momento, vamos ter de conversar com o presidente Obama, porque já mandamos uma carta, ainda quando era o presidente Bush, dizendo que nós não víamos com bons olhos a ideia da Quarta Frota¿, afirmou Lula, ao lado de Bachelet, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O presidente conversou por telefone com Chávez, que falou sobre ¿o perigo e a ameaça que representa a tentativa de instalar bases militares americanas na Colômbia¿. Hoje, ele receberá em Caracas o assessor de Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia. O presidente e a colega chilena concordaram em levar o tema à próxima cúpula da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), no próximo dia 10, mesmo ressalvando que a decisão cabe a Bogotá e Washington. ¿A soberania é intocável, mas não me agrada mais uma base americana na Colômbia¿, disse Lula. ¿Estamos inquietos¿, emendou Bachelet.

Desconforto O estranhamento causado pelas informações iniciais sobre o acordo militar atravessou a agenda de Moratinos, que desembarcou em Brasília tarde da noite de quarta-feira e mesmo assim discutiu o assunto em uma conversa ¿ não prevista ¿ com Marco Aurélio Garcia. Falando reservadamente a um grupo de jornalistas brasileiros, uma fonte do mais alto nível no governo espanhol atribuiu o acerto a ¿setores militares¿ de Washington e Bogotá e colocou em questão se o teor do acordo ¿foi apresentado corretamente¿ a Obama. Segundo esse funcionário, a instalação de bases dos EUA na América do Sul ¿não é boa notícia nem mesmo para o governo Obama, que fala em reduzir tropas no Iraque e vai mandá-las para cá?¿

Na entrevista coletiva que deu no Itamaraty ao lado de Moratinos, o chanceler brasileiro sugeriu que a discussão, inclusive sobre as desavenças entre Chávez e o colega colombiano, Álvaro Uribe, seja levada ao recém-criado Conselho de Defesa Sul-Americano. ¿Isso daria maior transparência, e espero que possa também acalmar os ânimos¿, disse Amorim ponderou que os EUA e a Colômbia descartam um aumento na presença de militares americanos no país, mas reiterou que o Brasil quer ¿mais informações¿: ¿Sempre desperta preocupação, porque vivemos em um continente pacífico, e a presença de bases (militares) de países de fora do continente é algo que gostaríamos de entender melhor¿.

Visita discreta

O novo chefe do Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos, general Douglas Fraser, desembarcou ontem no Brasil, praticamente sem ser notado, em meio às turbulências causadas pelo acordo militar negociado por seu governo com a Colômbia. Durante dois dias, Fraser terá encontros com autoridades do governo brasileiro, incluindo representantes das Forças Armadas. Ele assumiu a chefia do Comando Sul, principal posto da Defesa norte-americana na América Latina, em 25 de junho. Antes, o general tinha sido comandante adjunto do setor responsável pela região da Ásia voltada ao Pacífico. Durante a gestão de seu antecessor, James Stavridis, a atuação do Comando Sul foi muito questionada por parlamentares brasileiros, que questionam a reativação da Quarta Frota, encarregada de patrulhar as águas da América do Sul e do Caribe.

Confrontos em Honduras

O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, anunciou ontem que está organizando do lado nicaraguense da fronteira ¿um exército popular e pacífico¿ para apoiar seu retorno ao poder. A notícia coincidiu com indícios de que partidários de Zelaya intensificam, em território hondurenho, a resistência contra o governo de fato comandado por Roberto Micheletti. No início da noite, um manifestante foi baleado na cabeça durante confronto com a polícia na capital, Tegucigalpa.

¿Começamos a etapa de capacitação, formação, treinamento e vigilância desse exército popular e pacífico de que Honduras necessita para defender seus direitos¿, afirmou Zelaya para 300 seguidores hondurenhos na cidade de Ocotal, 226km ao norte da capital nicaraguense, Manágua. Acampado ali desde o fim da semana passada, o presidente constitucional costura também uma ¿frente cívica¿ para respaldar seu retorno, que tem apoio unânime da comunidade internacional.

Zelaya garante ter autorização do presidente Daniel Ortega. A oposição nicaraguense, no entanto, alega que o presidente constitucional hondurenho ¿viola a soberania¿ do país organizando em seu território uma incursão rumo a Honduras, com risco de confrontos armados.

Violência Em Honduras, a escalada de violência se seguiu à retomada das manifestações de rua pela recondução do presidente deposto. Centrais sindicais se mobilizam para bloquear estradas, na tentativa de paralisar as atividades do setor público. Liderados pela da Frente de Resistência Nacional contra o golpe de Estado, os protestos foram definidos como ¿estratégicos para a recuperação da ordem constitucional de Honduras¿. A Frente Nacional também está protegendo a Embaixada da Venezuela em Tegucigalpa para impedir a expulsão dos diplomatas, ordenada pelo presidente de fato, Roberto Micheletti.

Espanha aposta no Mercosul

A Espanha pretende aproveitar seu período na presidência rotativa da União Europeia (UE), durante o primeiro semestre de 2010, para retomar as negociações com o Mercosul sobre um acordo de livre comércio. A disposição foi anunciada pelo chanceler Miguel Ángel Moratinos durante sua rápida visita a Brasília, em companhia de cerca de 20 empresários, dois deles representando empresas do setor ferroviário que não escondem o interesse em entrar com força na disputa pelo contrato para implantação do trem de alta velocidade entre Rio de Janeiro e São Paulo. ¿Sabemos que a concorrência vai ser difícil, mas temos a vontade política e financeira¿, afirmou o visitante.

¿Um dos objetivos da minha visita é relançar as negociações (com o Mercosul), por isso vim acompanhado pelo responsável por assuntos europeus¿, afirmou Moratinos. O ministro espanhol deixou clara sua discordância com a opção ¿ que sul-americanos e europeus atribuem cada um à outra parte ¿ de condicionar o acordo entre os dois blocos à conclusão da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). ¿Perdemos a oportunidade de avançar as conversações entre Europa e América do Sul, não apenas nas relações comerciais, mas também no desenvolvimento de outros aspectos da parceria estratégica (entre a UE e o Mercosul)¿, lamentou .

Moratinos fez questão de realçar a posição da Espanha como segundo país com maior estoque de investimentos no Brasil, com cerca de 30 bilhões de euros, atrás apenas dos Estados Unidos. O governo socialista de Madri, que coleciona afinidades com o governo brasileiro, aposta no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) como antídoto para os duros efeitos da crise mundial na economia espanhola. Não é por outra razão que na semana que vem o país receberá outra visita de alto nível, da vice-presidenta do governo, María Teresa Fernández de la Vega. Ela será recebida pelo presidente Lula e pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. (SQ)