Título: Pedras no caminho da escola
Autor: Remígio, Marcelo ; Martin, Isabela
Fonte: O Globo, 27/02/2011, O País, p. 3

Transporte escolar ruim compromete segurança de estudantes e aumenta evasão

No mês da volta às aulas, o caminho é de obstáculos para boa parte dos 4,9 milhões de estudantes da rede pública brasileira que dependem de transporte escolar. Veículos sem manutenção, ônibus que quebram e viagens longas que cobrem mais de uma região desestimulam os estudantes. Entre os alunos, a viagem é acompanhada por uma incerteza: a de manter a frequência nas aulas.

A precariedade do serviço é apontada pela União Nacional dos Dirigentes de Educação (Undime) como fator determinante para a evasão escolar. Os municípios reclamam da falta de recursos para melhorias. Cada aluno custa por ano, em média, R$876, mas as prefeituras recebem do governo federal R$145, em média. A ajuda por parte dos estados também é insuficiente. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), quando há recursos estaduais, somados aos federais, o montante não paga mais que 30% das despesas

Para cobrir a diferença nos custos de transporte - calculada pela CNM em R$1,2 bilhão ao ano - , os municípios deixaram de renovar a frota periodicamente. O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, alerta que a manutenção de ônibus, Kombis e vans tem sido prejudicada. Não é difícil encontrar veículos com pneus carecas e sem equipamentos exigidos por lei, como cintos de segurança. A situação é pior no Nordeste, onde a idade média da frota supera 19 anos. A dificuldade enfrentada pelos estudantes para chegar até a escola se reflete em números. A evasão escolar chega a 11,4% nas séries iniciais do ensino fundamental e 15% nas finais, enquanto a média nacional é de 7,4% e 14,1%, respectivamente.

- Temos trabalhado para encontrar soluções que melhorem o acesso às escolas. O transporte é um fator determinante para combater a evasão. Os alunos que desistem por questões relacionadas ao deslocamento e retornam no ano seguinte enfrentam a defasagem escolar e acabam saindo da escola. Nas nas áreas rurais, crianças ficam mais de duas horas dentro de um ônibus em cada viagem. Como o número de veículos é insuficiente, cobrem grandes áreas - diz Carlos Eduardo Sanches, presidente da Undime, ressaltando que, apesar de o problema ser grave, os recursos do governo federal para a área têm aumentado (o orçamento do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar este ano é de R$644 milhões, contra R$596,4 milhões no ano passado).

Sanches diz que a grande batalha travada hoje pelos municípios é a divisão dos custos de transporte com os estados. A opinião é compartilhada com Paulo Ziulkoski. Segundo ele, hoje os estudantes estaduais matriculados em escolas da zona rural são transportados pelas prefeituras.

No Ceará, pau de arara substitui o ônibus

Apesar de o governo do Ceará ter transferido R$30 milhões para as prefeituras em 2010 para a ajuda no custeio do transporte de alunos do ensino médio, a qualidade do serviço é reprovada na maioria dos 184 municípios. Segundo o diretor da 5ª Inspetoria de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado, Rubens Cézar Parente Nogueira, responsável por fiscalizar o transporte escolar, cerca de 60% da frota ainda são de paus de arara, e exigências do Código Nacional de Trânsito nem sempre são cumpridas.

Nos últimos dois anos, oito pessoas morreram em acidentes com veículos escolares públicos no Ceará. Em Limoeiro do Norte, a 194 quilômetros da capital, uma criança de 2 anos morreu ao cair de um buraco no piso de um ônibus.

- A gente nem sabia que o ônibus estava naquelas condições - disse a secretária de Educação, Juliana Soares da Silva.

Metade dos 8.455 alunos da rede municipal de Limoeiro do Norte usam o transporte gratuito. A frota da prefeitura possui dois micro-ônibus e dez ônibus. Metade da frota foi comprada com recursos do governo federal. Os cinco restantes foram uma contrapartida: para cada veículo adquirido pelo município, o governo do estado deu outro.

Não bastassem os problemas com a qualidade da frota, o TCE flagrou outra irregularidade: veículos sendo usados para transportar doentes a hospitais, em cortejos fúnebres e excursões.

Na cidade de Canindé, 50 veículos são usados para transportar cerca de oito mil alunos, sendo cinco ônibus e o restante Kombis e caminhões. Para evitar o desvio de finalidade, foi firmado no ano passado um acordo de cooperação entre o TCE e as policias Rodoviária Federal e Estadual. O TCE também decidiu olhar com mais rigor as licitações das empresas que prestam o serviço às prefeituras. Muitas, Segundo Rubens Cézar, são construtoras que inserem no contrato social o objetivo de transporte escolar.

- O desvio de foco empresarial pode comprometer a qualidade do serviço. Como uma construtora pode ter excelência para transportar alunos? - indaga.