Título: TCU investiga contratos milionários da Transpetro
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 27/02/2011, Economia, p. 41

Levantamento do GLOBO revela que subsidiária da Petrobras contratou R$219 milhões sem licitação em 2010

O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu na semana passada um processo para investigar denúncias de superfaturamento nos contratos de compra de materiais da Transpetro, subsidiária de transportes da Petrobras. Um dossiê elaborado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Aquaviários e Aéreos (Conttmaf) mostra que a companhia pode ter superfaturado pagamentos de itens para navios em mais de R$1 milhão. O processo corre na 9ª Secretaria de Controle Externo (Secex-9) do Tribunal, que tem um grupo especializado em avaliar contas e contratos de estatais de energia e petróleo.

Levantamento do GLOBO nas compras de materiais da Transpetro mostra que a estatal fechou pelo menos 16 contratos milionários sem realizar licitação apenas no ano passado. Um deles, no valor de R$16,463 milhões, foi com a fabricante de mangueiras marítimas Flexomarine, de São Paulo. O contrato foi acertado em novembro e classificado como "dispensa" de licitação. A Flexomarine é atualmente investigada pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça como maior beneficiária no Brasil de um cartel internacional de venda de mangueiras marítimas.

Estatal diz que informou dados errados ao governo

Segundo documento da SDE, o esquema tinha como principal alvo no Brasil as compras da Petrobras. O escândalo chegou a ser motivo de mandados de busca e apreensão nos EUA, na França, na Itália e no Reino Unido em 2007. No Brasil, o processo se encaminha para a fase final e pode ser julgado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) este ano.

Presidida pelo ex-senador Sérgio Machado, indicado ao cargo na cota do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), a Transpetro é responsável pelo transporte e armazenamento de petróleo e derivados, álcool, biocombustíveis e gás natural do Sistema Petrobras.

Ao todo, os contratos de materiais assinados pela Transpetro sem concorrência pública no ano passado somaram R$219,2 milhões. O valor representa 40% dos R$559,6 milhões em produtos e equipamentos comprados pela companhia, segundo dados compilados pelo GLOBO com base em informações prestadas pela empresa ao governo federal. O número desconta pagamentos a concessionárias públicas de saneamento, energia e telefonia, mercados naturalmente concentradores.

- Esse é um problema crônico na administração federal, que compra mais sem licitar do que com licitações - afirma Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas. - No caso das estatais, a situação é ainda mais delicada porque elas são uma grande caixa-preta. Só fornecem informações quando são obrigadas.

Entre os contratos assinados sem licitação estão desde motores a diesel e produtos químicos até equipamentos de odontologia, combate a incêndio e uniforme de trabalhadores. Os números não incluem contratações de construção de petroleiros, que são classificados como contratos de serviços.

Procurada pelo GLOBO, a Transpetro disse que cometeu erros na hora de informar seus contratos ao governo em 2010. Segundo a estatal, ela teria, na verdade, comprado R$81 milhões sem licitação, pelos dados corrigidos. Isso representa 22% das compras totais de materiais da companhia, que seriam de R$364 milhões.

Contratos sem licitação por "caráter de emergência"

Como a sua controladora, a Transpetro se vale de um decreto de 1998, editado no governo Fernando Henrique Cardoso, para contratar sem seguir a Lei das Licitações. O decreto prevê várias situações, entre elas, casos de emergência. O TCU sugeriu algumas vezes a "responsabilização pessoal" de dirigentes da Petrobras e coligadas pela ausência de licitação. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em mais de uma ocasião o direto da estatal de recorrer ao decreto.

Outro contrato milionário sem licitação foi assinado com a Consabor Refeições Coletivas, de Duque de Caxias. A Transpetro desembolsou R$1,053 milhão para pagar "refeições, lanches e café" em junho de 2010. Mais um exemplo foi a contratação da empresa Easy Car Locação para aluguel de automóveis, em maio do ano passado, a um custo de R$1,127 milhão.

Segundo a Transpetro, as empresas Flexomarine, Consabor e Easy Car foram contratadas sem licitação por "caráter de emergência". A estatal informa ter feito "consulta de preços junto a sete empresas do mercado" antes de contratá-las e que segue o decreto de 1998.

Os contratos sem concorrência podem, no entanto, ser ainda maiores. A Transpetro não torna pública as compras de materiais de sua subsidiária Fronape International Company (FIC), sediada nas Ilhas Cayman. Essa offshore é o principal alvo de denúncias da Conttmaf e motivou as investigações no TCU.

Conttmaf pode recorrer ao Ministério Público Federal

Uma das denúncias envolve a compra de válvulas de insuflação de ar do motor principal do navio Livramento, por US$1,2 milhão. Segundo Severino Almeida, presidente da Conttmaf, o valor das peças é baixo: para compra 532 unidades seriam necessários apenas US$2.367 a preço de mercado. Outro pedido envolve a compra de cem litros de lubrificante de compressor de ar por US$87.117. Segundo ele, o preço de mercado seria de, no máximo, US$12.500.

A estatal Fronape é veículo para compra de materiais da Transpetro mesmo que o fornecedor seja brasileiro e a embarcação, registrada no país. A Transpetro diz que não torna públicos seus contratos por não ser obrigada. A Conttmaf estuda procurar o Ministério Público Federal (MPF).

Para a ONG Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), como a própria Petrobras, a Transpetro seria obrigada pela legislação a informar também contratos de empresas sediadas em outros países.

- Quando houve o mensalão, o governo baixou um decreto obrigando as estatais a serem mais transparentes. É preciso cumprir - afirma Augusto Miranda, vice-presidente do IFC.

Sobre o processo no TCU, a Transpetro disse que encaminhou documentos que comprovam a improcedência das acusações. As válvulas teriam custado, na verdade, R$7.714. E o óleo lubrificante, US$ 87.117. Flexomarine e Consabor foram procuradas, mas não retornaram os contatos. A direção da Easy Car Locação não foi localizada.