Título: Modernizar a gestão
Autor:
Fonte: O Globo, 28/02/2011, Opinião, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: O sistema de organizações sociais na Saúde

Da sondagem de opinião que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada divulgou este mês sobre o Sistema Único de Saúde salta uma imagem precisa da saúde pública do país. Embora o atendimento em si, aquele momento em que o paciente se senta à frente do médico, tenha sido bem avaliado, a pesquisa confirmou o que já havia sido objeto de diagnósticos, pelas queixas dos usuários ou por checagem na ponta do sistema: quase 60% dos entrevistados consideraram que a falta de médicos nos hospitais e unidades de atendimento de emergência é o principal problema da rede pública.

Como decorrência dessa deficiência original, outras mazelas do sistema atazanam a população, caso da demora para o paciente ser atendido e a longa espera para conseguir - quando se consegue - marcar uma consulta com um especialista.

O estudo do Ipea reforça a evidência de que o sistema público de saúde padece, antes de tudo, de crise de gestão. É importante equacionar as finanças, mas não basta despejar dinheiro numa estrutura de atendimento que tem crônicas demandas administrativas em razão de amarras funcionais e corporativas que brecam a modernização da rede. Aqui se localiza o principal gargalo da saúde pública: a resistência a mudanças estruturais e administrativas como pano de fundo para a manutenção de privilégios funcionais, em detrimento da melhoria da qualidade do atendimento à população.

É o caso dos obstáculos interpostos à adoção do sistema de organizações sociais (OSs) na administração de unidades públicas de saúde. Por esse modelo, preservam-se regras do funcionalismo público - como a convocação de concurso na admissão do quadro de funcionários -, mas os servidores ficam submetidos a normas que visam a otimizar o serviço, como cobrança de qualidade, metas a cumprir e remuneração variável na proporção dos objetivos alcançados.

Os ganhos com a implementação das OSs alcançam todas as pontas do sistema. Os funcionários livram-se de um modelo que lhes engessa os vencimentos; os usuários passam a contar com serviços mais eficientes, em razão de incentivos funcionais, salariais e administrativos introduzidos nas unidades públicas; e o poder público se descola de crônicas demandas gerenciais, transferindo-as para as OSs sob o compromisso de que sejam resolvidas à luz de programas de metas.

Em São Paulo, com o modelo já implantado, são inegáveis os benefícios transferidos aos usuários da rede pública, na forma de serviços de melhor qualidade, eficiência no atendimento e ganhos funcionais. No entanto, mesmo diante das evidências de melhorias decorrentes do emprego de métodos modernos de gestão, o sistema de OSs vem sendo bombardeado por setores que agem supostamente para defender direitos dos pacientes, mas que, na verdade, estão apenas procurando preservar privilégios funcionais que lhes servem de anteparo contra cobranças de eficiência.

São grupos abrigados em nichos do poder público e, principalmente, em entidades sindicais com grande capacidade de pressão. No governo passado, conseguiram vergar o Congresso, levando os parlamentares a arquivar um projeto do então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, defensor das OSs. E contestam no STF a constitucionalidade do sistema. Em defesa dos próprios interesses, tais grupos querem manter a saúde sob regras arcaicas, à custa do sofrimento de quem realmente precisa recorrer à rede pública. A maioria da população.