Título: Cortes atendem ao mercado, mais do que reduzem despesas públicas
Autor: SAmorim, Silvia; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 01/03/2011, O País, p. 4

Especialistas afirmam que não haverá real diminuição de gastos

SÃO PAULO e BRASÍLIA. Mais uma resposta à pressão do mercado para assegurar o superávit primário do que uma redução efetiva de despesas. Essa é a avaliação de analistas em finanças públicas sobre o detalhamento do corte de R$50 bilhões do orçamento de 2011 anunciado ontem pelo governo Dilma Rousseff.

Para o estrategista de investimentos para a América Latina do Banco WestLB do Brasil, Roberto Padovani, o corte não representará uma diminuição nominal dos gastos, mas um arrefecimento no ritmo de seu crescimento. Apesar da ponderação, ele considerou positiva a iniciativa:

- O corte efetivo não existe. Estão cortando vento. Mas se o governo tivesse mantido o ritmo de gastos que estavam previstos, ele cresceriam junto do PIB. Agora as despesas devem crescer menos que o PIB. Isso é muito bom quando se olha para o que foi feito nos últimos dois anos.

Consultora em contas públicas e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Margarida Gutierrez também considera que haverá um ganho para o país se o governo conseguir frear o crescimento dos gastos correntes:

- Como o PIB vai crescer ainda 4,5%, 5% neste ano, o governo não precisa cortar em termos nominais a despesa, basta que ela cresça abaixo do PIB.

Já o professor do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Piscitelli, tem uma visão cética sobre as medidas anunciadas.

- O que eu acho é que há uma pressão muito grande do mercado no sentido de assegurar a obtenção e, até se for o caso, ultrapassar a meta de superávit primário. Mas, na realidade, nós não vamos gastar menos. À medida em que a Selic continuar aumentando, vamos gastar tanto ou mais para pagar juros - afirmou.

Margarida explicou que o avanço do corte sobre investimentos era previsível. Serão R$18 bilhões neste ano, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

- O governo não tem tanta manobra para cortar, porque o orçamento é muito engessado. Cerca de 90% é com despesa obrigatória - disse.

Tão importante quanto reduzir o ritmo dos gastos é ter um sistema mais rigoroso de controle das despesas. Só assim, defendem os especialistas, o governo conseguiria uma gestão mais eficiente e não haveria necessidade de medidas imediatistas.

- Esse esforço que o governo está prometendo não é um programa de governo. Ele tem que fortalecer o sistema de auditoria e de controle dos gastos. Esses cortes não vão melhorar a qualidade do gasto público - disse Piscitelli, que questionou a decisão de cortar recursos para diárias e passagens aéreas:

- Tem que existir uma rotina, normas e mecanismos de acompanhamento que evitem possíveis desperdícios.