Título: A partilha do pão e das armas de Benghazi
Autor:
Fonte: O Globo, 01/03/2011, O Mundo, p. 35
No centro da revolta, moradores se mobilizam para alimentar a população
BENGHAZI, Líbia. Em muitas guerras, comida é como ouro, e se vende caro. Mas em Benghazi, a segunda maior cidade da Líbia, os manifestantes nas ruas estão comendo de graça. Famílias inteiras estão se mobilizando na cidade para ajudar no esforço de guerra de derrubar o ditador Kadafi. E parte do esforço é alimentar o povo.
Osama Jafa, 40 anos, trabalha no Comitê Olímpico da Líbia. Mas nestes tempos tumultuados, ele virou coordenador da cozinha do restaurante do primo, o Hani Fresh Fish. Todos os dias, Osama prepara as panelas, põe uma equipe de voluntários para cozinhar feijão branco e produz o sanduíche mais popular hoje da cidade: pão recheado de feijão.
Entre 5 mil e 6 mil sanduíches de feijão são produzidos por dia neste restaurante, além de chá e café, para serem distribuídos gratuitamente pela cidade. E há vários outros restaurantes da cidade mobilizados no mesmo esforço.
¿ Enquanto Alá (Deus) estiver com a gente, não vai faltar nada para a população. Os padeiros estão nos dando os pães de graça. E as pessoas vêm aqui e doam dinheiro, para ajudar ¿ conta Osama.
Um empresário de Benghazi passou no restaurante e doou 10 mil dinares (dinheiro líbio) em cartões telefônicos, também para serem distribuídos de graça. Hoje, Osama anda com uma pistola de fabricação belga na cintura. Como ele, muitos na cidade ganharam não apenas comida, mas também armas grátis. Depois da conquista da cidade e a invasão do quartel-general de Benghazi, todo o estoque de armamento encontrado pelos rebeldes foi distribuído.
¿ Eu sei usar a arma, aprendi no Exército. Para nós, não há meio caminho. Ou morre Kadafi, ou morremos nós! ¿ diz.
Ontem, como todas as noites, distribuiu-se cuscuz de graça na redação do primeiro jornal independente de Benghazi, o Líbia Freedom. Jornalistas estrangeiros que passam por lá são tratados como reis: as pessoas oferecem café, chá, ajuda para o que for necessário. A repórter americana Clare Gillis, que tem trabalhado no local, ficou impressionada:
¿ Imaginei que ia chegar numa situação de caos. De repente, me encontro no meio de pessoas que me oferecem sanduíches, cappuccino e ainda perguntam se está tudo bem com a minha conexão à internet. Nunca havia visto isso antes ¿ disse a jornalista.