Título: Histórico gera dúvidas sobre cortes
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Fonte: O Globo, 02/03/2011, Opinião, p. 6

A economia brasileira poderá crescer de forma sustentável nos próximos anos se vencer alguns desafios. A taxa de investimento, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), terá de aumentar gradualmente, saindo dos atuais 19% para algo como 24% a 25% na segunda metade da década. Sem isso, gargalos na infraestrutura inviabilizarão a produção e seu escoamento. Para atender a uma demanda crescente, inclusive exportações, a economia precisará expandir a capacidade de oferta significativamente. Esse salto não poderá ser financiado apenas com poupança externa, sob risco de o Brasil vir a acumular desequilíbrio preocupante em seu balanço de pagamentos.

No curto prazo, existe outro complicador nesse processo que é a pressão da inflação. Ainda que os índices de preços ao consumidor venham se mantendo abaixo do teto (6,5%) da meta estabelecida pelo governo, existem mais fatores contribuindo para altas do que para baixas.

Essa equação dependerá especialmente do comportamento das finanças públicas, tanto no curto como no médio prazo. Sem contribuição relevante do setor público, será muito difícil que o país consiga poupar mais internamente, viabilizando a expansão dos investimentos, com a inflação sob controle.

Em 2009 e 2010, o governo pisou fundo no acelerador dos gastos, deixando os analistas financeiros apreensivos em relação a 2011. Esta explosão de gastos foi justificada como uma política anticíclica, destinada a amortecer os efeitos da crise financeira internacional. No entanto, mesmo quando já havia sinais de que a economia brasileira evoluía em "ritmo chinês", a política fiscal pouco se alterou.

Com a a inflação em ascensão, os mercados passaram a prever um aperto monetário considerável, com restrições ao crédito e juros elevados. A dosagem deste aperto poderia ser abrandada com uma inversão na trajetória dos gastos públicos.

Aparentemente é o que o governo Dilma Rousseff se propõe a fazer agora, ao anunciar um corte de R$50 bilhões nas despesas previstas na lei orçamentária. Os gastos previstos para 2011 vão superar os de 2010, porém o que se espera é um crescimento abaixo da média de expansão do Produto Interno Bruto (PIB), meta importante a ser perseguida com seriedade.

Por causa do histórico recente (a própria presidente Dilma e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, estiveram no comando da política fiscal expansionista no fim do governo Lula), o corte está cercado de desconfianças.

Em uma espécie de teste São Tomé, o governo terá de apresentar bons resultados nas contas públicas durante alguns meses para reconquistar credibilidade. Como carta de intenções, o novo governo está começando na direção certa no que se refere à politica fiscal (a exceção, por enquanto, ficou no anunciado reajuste dos benefícios do Bolsa Família, embora possa ser justificado pelo aumento dos preços dos alimentos).

Além do histórico recente desfavorável, o governo encontrará internamente e em aliados resistências aos cortes nos gastos correntes, e também terá de usar seu cacife político para neutralizar a cultura consumista do Congresso, que não mede esforços na hora de aprovar novas despesas. Mas o que está em questão é o lançamento de bases para um ciclo efetivo de crescimento sustentado.