Título: Governo corta de um lado e gasta de outro
Autor: Jungblut, Cristiane; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 02/03/2011, O País, p. 14

Reajuste do Bolsa Família e correção da tabela do Imposto de Renda vão pressionar ainda mais as despesas este ano

BRASÍLIA. O aperto de R$50,1 bilhões nos gastos públicos não durou nem 24 horas. O Bolsa Família foi reajustado ontem e terá impacto de nada menos que R$2,1 bilhões nas contas públicas em 2011. Deste total, R$1,1 bilhão está acima da reserva que havia sido colocada pelo Congresso no Orçamento em dezembro, já prevendo uma correção do programa, cuja verba original somava R$13,4 bilhões.

Mas o aumento do Bolsa Família não será a única pressão adicional sobre as despesas. O reajuste de 4,5% na tabela do Imposto de Renda (IR), que representa renúncia fiscal de R$2,2 bilhões por ano, também pesará no bolso do governo. Embora as duas medidas já estivessem tomadas pela presidente Dilma Rousseff, a equipe econômica não incluiu nenhuma delas na hora de fixar as estimativas de receitas ou cortar o Orçamento, que agora terá que acomodar um gasto adicional de R$3,3 bilhões (R$1,1 bilhão do Bolsa Família e R$2,2 bilhões do IR).

Governo quer cortar mais gastos

A preocupação em não fazer parecer que houve afrouxamento ficou clara em uma nota divulgada pelo Ministério do Planejamento: "Um aumento do Bolsa Família não compromete a consolidação fiscal e a redução de despesas previstas para 2011, de R$50 bilhões, anunciados ontem". Em dezembro, os aliados do governo já queriam aprovar no Orçamento o reajuste do Bolsa Família, mas foram desautorizados diante da necessidade de se manter o discurso de austeridade fiscal. Mas como sabiam que a presidente iria querer aumentar o benefício, criaram a reserva de R$1 bilhão.

Segundo o Planejamento, será necessário retirar recursos de outras ações do Ministério do Desenvolvimento Social, abocanhar parte de uma reserva prevista na lei orçamentária e ainda remanejar gastos de outros órgãos. Segundo nota do ministério, um decreto de suplementação disponibilizará R$1,34 bilhão: R$1 bilhão - já previsto na lei - e R$340 milhões de remanejamento interno no Ministério do Desenvolvimento Social. Além disso, será enviado ao Congresso projeto de lei utilizando R$755 milhões da chamada reserva de contingência. Ela é um colchão para gastos não previstos, segundo os técnicos.

Mas o governo já têm o discurso para justificar eventuais afrouxamentos nos gastos em abril, quando sair nova programação orçamentária: a arrecadação de janeiro e fevereiro foi muito forte e há espaço para acomodar mais despesas.

Outro fator que mostra a fragilidade no corte do Orçamento está no ajuste feito nas despesas obrigatórias, como abono, seguro-desemprego e subsídios. Segundo um aliado, a expectativa de reduzir quase R$12 bilhões nessas áreas é mais um "desejo" do que uma realidade.

O argumento do governo para reduzir em R$3 bilhões gastos com abono e seguro-desemprego é baseado na expectativa de que o mercado de trabalho vai melhorar com a atividade econômica e esses benefícios serão menos solicitados pela população. Um argumento semelhante é usado para justificar uma redução com subsídios - principalmente destinados a equalização de taxas de juros de programas agrícolas e do BNDES. O crescimento da economia teria o poder de reduzir a demanda de produtores e empresários por financiamentos subsidiados.

Ontem, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou o requerimento do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), que cria uma subcomissão temporária para acompanhar e avaliar o desempenho da política fiscal do atual governo. A iniciativa contou com o apoio de vários líderes da base governista.

PMDB perde R$9,6 bilhões

No corte de R$36,2 bilhões nas chamadas despesas discricionárias (que concentram os investimentos e gastos em programas dos ministérios), os ministérios petistas acabaram sendo menos prejudicados. Essa comparação considera os cortes em relação aos orçamentos originais. No total, o PT perdeu R$9,9 bilhões, incluindo os ministérios da Fazenda, do Planejamento e a Presidência. A Saúde perdeu apenas R$578 milhões, enquanto o Desenvolvimento Social sofreu um corte de R$22, 8 milhões. No PT, a Justiça foi a mais atingida, perdendo R$1,5 bilhão.

Em termos nominais, o PP, que controla o Ministério das Cidades, foi o mais atingido: foram retirados R$8,58 bilhões. O PMDB foi o mais atingido em termos proporcionais: perdeu R$9,6 bilhões.