Título: Saída de Sader alimenta controvérsia sobre novas políticas do ministério
Autor: Duarte , Alessandra
Fonte: O Globo, 03/03/2011, O País, p. 4

O cancelamento da nomeação de Emir Sader para a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa alimenta a crise que se instaurou nestes dois meses de gestão de Ana de Hollanda à frente do Ministério da Cultura (MinC). Em sua nota de demissão, Sader diz que "o MinC tem assumido posições das quais discordo frontalmente, tornando impossível para mim trabalhar no ministério, neste contexto". No Twitter, centenas de comentários ecoaram a afirmação do sociólogo, alguns criticando as declarações de Sader, e outros aproveitando o episódio para reforçar as críticas às políticas de Ana de Hollanda. A ministra tem sido questionada após dar sinais de que vai rever o projeto da nova Lei do Direito Autoral, debatido e formulado nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira, que representava uma das principais políticas culturais do governo Lula.

- A questão em relação à Casa de Rui Barbosa é secundária. O que há de fato é um confronto entre ele, que defende a continuidade da política de compartilhamento de bens culturais implantada por Lula, e o movimento de retrocesso feito pela ministra. Ele vem se batendo contra isso dentro do PT e junto aos ativistas da cultura - diz o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Faculdade Cásper Líbero, e partidário do software livre.

Já o compositor Ronaldo Bastos, uma das vozes mais enfáticas na defesa da política de Ana de Hollanda para os direitos autorais, critica a sugestão de Sader sobre o que seria uma descontinuidade do debate sobre a reforma da Lei por parte da atual gestão do MinC. Ele, no entanto, questiona a associação entre a saída do sociólogo e esse debate:

- O projeto dele para a Casa de Rui Barbosa era o de politizar uma instituição que tem outro tipo de papel. Isso me pareceu uma coisa sectária, atrasada -- diz Bastos. - Outra coisa que me chamou atenção na entrevista dele à "Folha de S. Paulo" foi ele ter dito que o Gilberto Gil entendia de política, e o Caetano, não. Para mim, é o contrário. O Gil, quando ministro, disse coisas confusas, sobretudo no debate sobre direito autoral. O Caetano é honesto intelectualmente; o Gil é um grande compositor, mas intelectualmente ficou devendo.

O debate em relação à Lei do Direito Autoral fez com que o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) propusesse ontem à Comissão de Educação e Cultura da Câmara uma audiência pública sobre o tema.

- Temos que tratar da lei e do papel do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad. Tudo que traz transparência é positivo. Não vejo o porquê de se haver um órgão a salvo disso - afirma Molon.

Declaração causou perplexidade, diz Grassi

No PT, a saída de Sader é encarada com cautela. Um dos principais articuladores das políticas culturais do partido e presidente da Funarte, o ator Antonio Grassi diz que o fato de o sociólogo ter chamado Ana de Hollanda de "autista" causou perplexidade:

- Não se pode dizer que ele tenha caído. Ele foi anunciado, mas não nomeado. Ele foi sem nunca ter sido. Recebi as declarações com perplexidade, o Emir é uma pessoa que sempre participou de modo importante das discussões do partido.

Já Morgana Eneile, secretária nacional de Cultura do PT, afirma que a saída de Sader não indica um ruptura entre o partido e o ministério:

- É um momento de cuidado. Às vezes acontecem diferenças, e a pessoa da liderança precisa resolver problemas. O que aconteceu não indica rachas. E o Emir ainda vai poder colaborar com o partido e com o governo.

Pouco após ser anunciado como próximo presidente da Casa de Rui Barbosa, Sader já vinha enfrentando resistência de funcionários da instituição por uma possível intenção de politização. Em entrevista ao GLOBO publicada em 5 de fevereiro, o sociólogo afirmou que pretendia fazer da Casa um centro de "grandes debates nacionais" onde estariam presentes "todas as vozes, mas sobretudo aquelas que não têm espaço hoje para expressar seu ponto de vista" na mídia tradicional. A declaração foi interpretada como uma proposta de mudança radical no perfil da Casa, tradicionalmente voltada para pesquisa e preservação históricas.

- Até ontem o clima na Casa Rui era de absoluta intranquilidade - diz a filóloga Rachel Valença, que deixou há um mês a Direção do Centro de Pesquisa da Casa para assumir a vice-presidência do Museu da Imagem do Som, justamente o cargo anteriormente ocupado por Ana de Hollanda. - Suas propostas ou eram redundantes ou não eram típicas de uma instituição de memória. Isso desconsidera o que é o cerne da casa.