Título: HIV afeta mais dos mesmos
Autor: Mariz Renata
Fonte: Correio Braziliense, 18/07/2009, Brasil, p. 10

Estudo mostra que homossexuais e usuários de drogas permanecem como os que correm mais risco de contrair o vírus

A epidemia da Aids, apelidada pejorativamente de ¿peste gay¿ quando foi descrita cientificamente pela primeira vez, na década de 1980, chegou a absolutamente todos os estratos sociais no mundo inteiro. Acomete crianças, adultos, idosos ¿ independentemente de condição econômica ou preferência sexual. Tanto que até o termo ¿grupo de risco¿ já foi modificado pelos especialistas.

Mas ainda assim, dois grupos, em especial, continuam sendo os mais castigados pela doença no país: os homossexuais e os usuários de drogas do sexo masculino. A análise faz parte de um estudo recente publicado pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Oswaldo Cruz com base em dados oficiais de 1980 a 2004. Pelos cálculos, a chance de os dois grupos de maior risco terem Aids é 14 vezes superior à dos heterossexuais, por exemplo (leia quadro ao lado). Estima-se que 630 mil pessoas no país carreguem o HIV.

Apesar disso, com o crescimento de casos entre mulheres e heterossexuais, esses dois grupos, antes ¿poupados¿, apresentam tendência de ligeiro aumento de casos de Aids, destaca Ana Roberta Pascom, chefe da assessoria de monitoramento e avaliação da coordenação de DST/Aids do Ministério da Saúde e uma das autoras do estudo científico. Ela ressalta, no entanto, que os homossexuais e os usuários de drogas injetáveis do sexo masculino ainda exibem números preocupantes. ¿Não dá para negar que houve avanços. Veja que em 1995 tínhamos 8,7 casos para cada mil usuários de drogas injetáveis. Em 2004, isso cai para 2,6¿, pondera.

Entre os diferentes fatores que influenciam na alta incidência de Aids em grupos específicos da população, o comportamento relacionado à prevenção é o mais frequentemente apontado por especialistas. ¿Os homossexuais têm um maior número de parceiros e dificuldade de seguir por um longo tempo a conduta de precaução¿, destaca Lígia Kerr, especialista em medicina preventiva, atualmente na Universidade Federal do Ceará.

Para Welton Trindade, diretor do Estruturação Grupo LGBT de Brasília, a explicação não passa de uma grande ¿falácia¿. ¿Levantamentos já mostraram que os homossexuais se protegem mais¿, diz o militante, referindo-se a pesquisas nacionais e uma local, de 2003, coordenada pela Universidade de Brasília, cuja conclusão foi de que 76% dos gays e bissexuais do DF fazem sexo com preservativo nas parcerias ocasionais. ¿É melhor transar com cinco pessoas diferentes usando camisinha ou com uma sem o preservativo?¿, questiona Welton.

No caso dos usuários de drogas injetáveis, que proporcionalmente apresentam as maiores taxas da doença, de 2,6 para cada mil, o risco é iminente. ¿Ocorre de forma rápida e inevitável, basta que alguém compartilhe a seringa com um soropositivo. Porém, vemos uma diminuição da infecção nessa população em virtude da mudança de hábitos. Muitos estão migrando para outras drogas, como o crack¿, diz Lígia.

Este ano, para prevenção da Aids entre homens homossexuais e bissexuais, foram investidos R$ 324 milhões dos cofres federais. O dinheiro sai do Ministério da Saúde e é repassado a estados e municípios, que, por sua vez, fazem parcerias com organizações da sociedade civil para execução das ações. Essa gestão descentralizada, adotada desde 2001 pelo governo federal, é alvo de comemoração, mas também de descontentamento entre os militantes da causa gay. ¿Claro que apoiamos a descentralização dos recursos. Mas, por outro lado, dificilmente a questão dos homossexuais é tratada em locais mais distantes, cidades do Norte do país, por exemplo, onde os movimentos não existem ou não têm força¿, critica Welton Trindade.

Ivo Brito, chefe da unidade de prevenção do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, explica as lacunas da administração descentralizada. ¿Um dos custos desse tipo de processo, única forma de gestão quando falamos de Sistema Único de Saúde, é exatamente o período de acomodação das ações para que elas funcionem de forma adequada em todos os lugares. Não há uma omissão desse dado de nossa parte, o que fazemos é tentar aperfeiçoar os processos cada vez mais¿, ressalta.

Um novo termo

Não se usa a expressão ¿grupo de risco¿ para a Aids porque qualquer pessoa, em tese, está exposta à doença. Dessa forma, o termo correto para designar homossexuais e usuários de drogas injetáveis é ¿grupo de maior risco¿ ou ¿de risco acrescido¿. Só se fala em grupo de risco quando somente aquela parcela da população está sujeita à doença. As mulheres, para o câncer de útero, são grupo de risco, por exemplo.