Título: Sinais de alerta no Pibão
Autor: Almeida, Cássia ; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 04/03/2011, Economia, p. 19

A economia brasileira em 2010 cresceu tanto quanto em 1986, ano do Plano Cruzado, de acordo com os números apresentados ontem pelo IBGE. A expansão de 7,5% veio depois de uma recessão de 0,6% em 2009, reflexo da crise mundial. Com essa alta recorde, o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) ficou em R$3,675 trilhões e fez o PIB per capita subir 6,5%, na maior alta desde 1980, quando avançara 6,8%, alcançando R$19.016. O corte de impostos herdados de 2009 no primeiro trimestre de 2010 e o mercado de trabalho, no seu melhor momento depois da estabilização, explicam essa expansão recorde. Emprego e renda em alta aumentaram o poder de compra da população, que consumiu como nunca. A alta dos gastos das famílias, um dos componentes mais importantes do PIB, foi de 7%, a maior desde 1986.

Mas o recorde de 2010 traz preocupações com 2011. A principal delas é a inflação. A própria presidente Dilma Rousseff afirmou ontem que uma taxa razoável de crescimento para o Brasil seria de 4,5% a 5%.

Para trazer mais incerteza ao cenário de inflação, os números do último trimestre, contrariando a previsão dos analistas, mostraram uma aceleração no consumo das famílias para 2,5% frente ao período anterior. O PIB avançou só 0,7% nesta comparação. O economista-chefe da GAP Asset Management, Alexandre Maia, lembra que este 0,7% significa um ritmo anualizado de 2,8%, abaixo portanto do que seria o PIB potencial do país (entre 4% e 4,5% segundo os analistas).

- Os números trazem interpretações ambíguas. Ao mesmo tempo que o PIB está num ritmo abaixo do potencial, o consumo das famílias está avançando 10,4% (a taxa anualizada). A demanda está muito robusta, sem grandes sinais de arrefecimento, e sendo suprida por importações - afirma - A inflação está muito, muito longe de ser somente um problema de commodities como acredita o governo. Quando se cristaliza um novo patamar de inflação, é muito mais difícil combater a alta de preços.

Demanda interna subiu mais de 10%

As importações foram o caminho para suprir a alta da demanda interna. As compras do exterior avançaram 36,2% em 2010. Se fosse considerado apenas o consumo doméstico, o PIB brasileiro teria crescido num patamar de dois dígitos: 10,3%. O economista Antônio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP faz um alerta do risco contrário: de que o governo esfrie demais a economia.

- Já havia uma desaceleração antes das medidas restritivas ao crédito, tomadas em dezembro, e da elevação dos juros neste ano. Se esfriar demais, acaba o incentivo ao crescimento dos investimentos.

Fernando Monteiro, economista-chefe da Convenção Corretora, acredita que 2011 será um ano de ajustes. Além do esperado crescimento menor, segundo ele inferior a 4%, será importante ampliar os investimentos e calibrar a demanda para 2012.

Mas, se o fôlego do consumo das famílias surpreendeu no último trimestre, a perda de vigor dos investimentos foi o lado negativo. Após avançar 4% no terceiro trimestre, a chamada formação bruta de capital fixo (investimentos de empresas e a construção civil) cresceu só 0,7% no final do ano.

- E a taxa de poupança de 16,5% (em relação ao PIB) está num patamar preocupante. Numa perspectiva de longo prazo, reflete uma economia focada no consumo - afirmou Armando Castelar, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).

O crescimento forte de 2010 vai ser seguido por uma expansão este ano mais tímida, entre 3,5% e 4% segundo as projeções, pagando a conta de alta acima da capacidade produtiva em 2010. A estatística vai ajudar pouco. Como a economia pisou no freio no final do ano passado, o país começará 2011 num ritmo mais lento. Com isso, o crescimento de 2010 ajudará com apenas um ponto percentual na expansão deste ano. Em 2010, esta contribuição - chamada de carregamento estatístico - fora de 3,7 pontos percentuais.

Ainda impulsionado pelos incentivos fiscais no primeiro trimestre, a economia teve comportamentos bem marcados a cada semestre. O primeiro foi mais forte, com alta de 9,2%, com o crescimento baixando para 5,9% na segunda metade do ano. No primeiro trimestre, a alta fora de 2,2%, caindo para 0,7% no último trimestre.

- O primeiro trimestre ainda vivia a política associada à crise de 2008. Com a retomada da estabilidade, o país volta a ter um crescimento dentro dos padrões desejados, uma desaceleração típica de ano eleitoral - afirmou Roberto Olindo, coordenador de Contas Nacionais do IBGE.

Dentre os componentes da produção do PIB, todos fecharam o ano com taxas positivas. A indústria avançou 10,1%, na maior alta desde 1986. Mas caiu 0,3% no último trimestre.

- Os serviços são o destaque. Especialmente por causa da intermediação financeira, responsável pela expansão do crédito - afirmou o professor da PUC Luiz Roberto Cunha.

COLABOROU Fabiana Ribeiro