Título: Na ANP, cumprir a lei dá punição
Autor: Otavio, Chico; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 06/03/2011, O País, p. 3

Justiça reabilita servidor que denunciou irregularidades de indicados políticos na agência do petróleo

Punido por denunciar uma suposta ilegalidade na Agência Nacional do Petróleo (ANP), o servidor Pietro Adamo Sampaio Mendes não sofrerá mais as sanções decididas pela Comissão de Ética do órgão. Liminar concedida pelo juiz Adriano Saldanha de Oliveira, da 14ª Vara Federal do Rio de Janeiro, não apenas suspendeu a punição como advertiu, na decisão, que qualquer servidor público, diante de irregularidades, deve se manifestar "sem medo de intimidações ou represálias".

A intimidação sofrida pelo servidor expõe, mais uma vez, a Superintendência de Abastecimento na ANP. No mesmo mês da punição, a agência reguladora apareceu no noticiário envolvida na Operação Alquila, que investigou uma quadrilha de sonegadores que gravitava em torno da Refinaria de Manguinhos. A ANP tomou decisões que beneficiaram empresas do grupo do empresário Ricardo Magro, um dos controladores de Manguinhos. As decisões polêmicas, agora alvo de análise do Ministério Público Federal, aconteceram sob o mesmo guarda-chuva: a Superintendência de Abastecimento, comandada por Dirceu Amorelli e diretamente ligada ao diretor Allan Kardec Barros Filho. Os dois nomes são indicações do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB).

Pietro foi afastado do cargo, perdeu a senha eletrônica e sofreu sanções disciplinares, em novembro passado, por discordar da participação da usina Fiagril no 19º leilão de biodiesel, promovido pela ANP. A empresa, uma das vencedoras, não cumprira exigências do edital (os documentos apresentados eram insuficientes). Ele irritou os superiores ao divulgar a ilegalidade em e-mail enviado a colegas.

Como o óleo diesel precisa conter, obrigatoriamente, 5% de biodiesel (combustível vegetal feito com oleos de plantas), a ANP promove leilões periódicos para a compra do componente. Ganham os lotes oferecidos (um total de 600 milhões de litros) as usinas produtoras que oferecerem o melhor deságio do preço máximo de referência, fixado pela agência. O negócio movimenta, a cada edição (já foram feitas 21), cerca de R$1 bilhão em recursos desembolsados pela Petrobras.

Pietro entrou em conflito com os superiores logo após ser nomeado coordenador do 19º leilão, condição em que negou a habilitação à Fiagril. O servidor punido notara que o CNPJ da empresa não correspondia ao da empresa cadastrada. O CNPJ inscrito tinha autorização apenas para importação e exportação de biodiesel. O edital, no entanto, determinava que só poderia participar do leilão a empresa que produzisse e fosse autorizada a comercializar o biodiesel.

Juiz não considera e-mail ofensivo

A Fiagril arrematou 4,9% do total a ser vendido a Petrobras (29 milhões de litros). Apesar da ilegalidade, o resultado foi homologado pela ANP. Na petição ao juiz, Pietro sustenta que ficou "desesperado com o futuro" depois que a ANP o isolou, afastando-o das funções e cortando o seu acesso ao sistema.

De acordo com a decisão do juiz Adriano Oliveira, o e-mail enviado pelo servidor "não imputa crime nem faz juízo depreciativo sobre a honra do pregoeiro, limitando-se a narrar os fatos de forma objetiva e manifestando discordância do impetrante com a decisão pela habilitação da empresa Fiagril (...)".

O presidente da Associação dos Servidores da ANP, Marcus Weber, condenou a punição:

- Pietro fez o correto e tinha de ter todo direito de se defender, que lhe foi negado. A associação está oferecendo todo o suporte.

No leilão seguinte, quando Pietro já estava afastado da coordenação. uma decisão da mesma Superintendência da ANP, a pedido de Allan Kardec, elevou o preço máximo do biodiesel a ser comprado pela Petrobras de R$ 2,12 por litro para R$2,32 por litro, em confronto com nota técnica da própria ANP.

Considerando-se o volume total do biodiesel negociado, a diferença de centavos representou um desembolso a mais de R$114 milhões, injetados nas cerca de 30 usinas vencedoras. Para justificá-lo, uma "proposta de ação" limita-se a informar que o aumento evitaria "risco de desabastecimento".

A escolha dos diretores e superintendentes é feita por indicação do presidente da República (no caso de Amorelli e Kardec, os nomes foram apresentados por Lobão ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva). Em seguida, são sabatinados pelo Congresso. Os dois devem deixar o mandato em dois anos.

O decreto 2455/1998, que criou a ANP, prevê a rotatividade das superintendências vinculadas a cada diretor. Desde que Kardec assumiu, há dois anos, no entanto, o Abastecimento está sob o seu comando. No momento, dos cinco cargos de direção, dois estão vagos.

O procurador da República Vinícius Panetto, do Patrimônio Público e Social, cobrou da ANP as providências tomadas pelo órgão com relação às denúncias de envolvimento de funcionários da agência no esquema de fraude em torno da Refinaria de Manguinhos - as escutas da Polícia Civil levararam suspeitas sobre tráfico de informações privilegiadas sobre fiscalizações da ANP, como revelou O GLOBO em dezembro. Provocado pelo deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), Panetto abriu um procedimento administrativo para apurar os possíveis atos de improbidade administrativa praticados pelos servidores da ANP. Se comprovados, o MPF deverá propor a abertura de ação. Ele também solicitará informações sobre o caso ao Supremo Tribunal Federal, para onde o caso seguiu depois da constatação de envolvimento de um parlamentar federal no esquema. A ANP informou que abriu sindicância sobre as denúncias feitas em dezembro pelo GLOBO e que ainda não recebeu o ofício do MPF.