Título: Obama deixa no ar uso da força contra Kadafi
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Fonte: O Globo, 04/03/2011, O Mundo, p. 27

WASHINGTON

Em seu mais forte discurso sobre o conflito líbio, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sugeriu que a força poderá ser usada se a situação no país se tornar uma crise humanitária. Obama disse que era hora de o ditador Muamar Kadafi partir e que dera ordem a assessores militares e diplomáticos para estudarem "todas as opções adequadas", incluindo uma zona de exclusão aérea, a fim de responder à tentativa do ditador de permanecer no poder pela força. Ele ressaltou, no entanto, que agirá de acordo com a comunidade internacional.

Para Obama, Kadafi perdeu sua legitimidade ao usar violência contra civis. O presidente vê "o risco de um impasse que pode ser sangrento", e afirmou não desejar correr o risco de os EUA se calarem diante disso. Segundo o Departamento de Defesa, há provas de que a Força Aérea líbia está usando aviões de combate. Embora não esteja claro se é contra civis, há evidências de que "munições foram lançadas", informou o Pentágono.

- Existe uma ampla gama de opções, militares e não militares, que estamos examinando. E tomaremos as decisões adequadas baseados no que seja melhor para o povo líbio, de acordo com a comunidade internacional e minimizando o possível o dano a civis inocentes no processo - disse Obama, deixando no ar a possibilidade de uma ação militar. - Não quero ser ambíguo: o coronel Kadafi tem de deixar o poder e ir embora.

A declaração trazia uma mensagem indireta aos colaboradores de Kadafi, destacando o risco que correm ao permanecerem ao lado do ditador, e deixava claro o objetivo de que o uso de meios militares não fosse interpretado como uma intervenção indesejável. Obama anunciou ainda o envio de aviões à Tunísia para ajudar no resgate de egípcios que deixam a Líbia. Além disso, 400 fuzileiros navais americanos chegaram a Creta, no Mediterrâneo.

Uma das possibilidades citadas vem sendo discutida nos últimos dias: a criação de uma zona de exclusão aérea. Na quarta-feira, o secretário de Defesa, Robert Gates, lembrou que, para isso, seria necessário antes destruir as defesas antiaéreas do país - ou seja, atacar a Líbia. A ideia de uma zona de restrição aérea já foi levantada pela Liga Árabe e mesmo por rebeldes, que veem na iniciativa sua única chance de marchar até Trípoli.

Um país dividido entre duas forças

Uma ação externa pode ser um dos poucos fatores capazes de romper o impasse que ameaça jogar o país numa prolongada guerra civil. Entrincheirado na capital, Kadafi controla parte do oeste do país e promete resistir até o último homem. Nos últimos dias, ele recuperou posições mais ao sul e tentou um violento contra-ataque no leste, tomado pelos rebeldes. Mas os revoltosos resistiram e ainda avançaram em direção ao oeste.

Para especialistas, o líder líbio acredita tão profundamente que incorpora o país que permitiria a deterioração da Líbia, em vez de renunciar.

- Kadafi foi posto contra a parede e não tem estratégia de saída - disse Fawaz Gerges, professor de Política do Oriente Médio na London School of Economics.

Tanto as forças pró-Kadafi quanto os rebeldes estão se armando e se posicionando para uma batalha mais longa do que esperavam. Kadafi tem recursos financeiros, armas e a lealdade de algumas unidades de elite comandadas por dois de seus filhos para resistir. Quanto mais tempo a situação persistir, maiores os riscos de o país sair da crise com a economia deteriorada e com o território fragmentado.

Mesmo sem um comando central, os rebeldes tomaram boa parte do leste, rico em petróleo. Eles têm Benghazi, Misurata (segunda e terceira maiores cidades do país), Zawiya, Jebel e Nafusa, já a sudoeste de Trípoli. A cada conquista, engrossam as fileiras com militares desertores e armas.

A tensão é grande em Trípoli, capital do país e do reduzido território de Kadafi. Enquanto os moradores espalham de boca em boca a convocação para os protestos de hoje, pessoas são arrancadas de casa e presas. Corpos de desaparecidos reaparecem nas ruas, aumentando o clima de terror.

No meio da confusão, três tripulantes holandeses de um helicóptero que pousou em Sirta para retirar estrangeiros foram detidos domingo. O governo da Holanda negocia sua liberação.