Título: Velha inflação, novas armas
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 06/03/2011, Economia, p. 27

Para driblar repique de preços sem abrir mão de pequenos luxos, consumidor muda hábitos e aproveita promoções

A nova sociedade de consumo brasileira, que recebeu 30 milhões de membros da classe média nos últimos cinco anos, já tem as suas próprias armas para enfrentar o repique da inflação e driblar a alta dos preços dos alimentos - a segunda em três anos. Sem querer abrir mão dos pequenos luxos a que pôde se dar recentemente, não se importa em correr atrás dos dias das promoções nos supermercados ou mudar seus hábitos. O consumidor também tem a seu favor o benefício da chamada "compra picada". Sem necessidade de estocar alimentos, como fazia no passado hiperinflacionário, espera os descontos para determinados produtos e aproveita as ofertas.

Pelo segundo ano seguido, o Brasil vive uma escalada dos preços, embalada pela disparada das cotações das commodities e pelo maior crescimento da economia em 24 anos. Como o IBGE divulgou na última quinta-feira, o Produto Interno Bruto (PIB) teve expansão de 7,5% em 2010, a maior taxa desde 1986. O governo adotou políticas fiscal e monetária para desacelerar esse ritmo, de forma a não favorecer novos reajustes de preços. Mas o consumidor tem armas mais simples do que a complexa equação que mistura juros altos e aperto nos gastos públicos.

Por exemplo, as grandes redes já identificaram que o brasileiro vem comendo mais legumes e verduras - que tiveram deflação - e tem abusado de frangos, deixando para comprar carnes bovinas apenas com desconto. Desde o segundo semestre de 2010, a carne subiu cerca de 30%.

No GBarbosa, rede sergipana de supermercados e quarta maior do Brasil, só em janeiro deste ano as vendas de frango subiram 140% em relação a janeiro de 2010. Nos últimos seis meses, o crescimento foi de 100%.

- Isso não significa que as pessoas tenham caído de padrão. Saíram da carne bovina, mas não foram para os cortes de frango. Estão comprando filé - disse o diretor comercial da rede, José Luiz Tavares de Miranda.

Cliente da classe C é mais racional

De olho no comportamento do consumidor, a cadeia passou a negociar lotes maiores de aves para garantir melhores preços e atender à nova demanda. Além disso, o GBarbosa criou o dia da promoção das carnes bovinas, com descontos de até 30% no produto, dadas as grandes quantidades negociadas.

A aposentada Dana Saldanha já não faz mais compras de mês para aproveitar as ofertas e evitar desperdícios. Ao comprar menos, segundo ela, as chances de economizar são maiores e as de perder alimentos, menores.

- Durante o período da hiperinflação, assim que saía o salário, eu ia direto para o mercado. Passava mais tempo nas filas do que propriamente fazendo compras. Hoje, dá para ir controlando o que se gasta com a compra miúda - disse.

- Somos só dois em casa. Prefiro comprar menos para ter mais alimentos frescos e aproveitar os descontos - conta a professora Luciana Pitanga.

Embora esteja de olho nos preços, o consumidor está comprando mais. O aumento da renda está por trás de novos hábitos. O iogurte, por exemplo, que não fazia parte da lista de produtos que os nordestinos consumiam até recentemente, foi o perecível cujas vendas mais cresceram no GBarbosa. O aumento, que se mantinha em torno de 8% ao ano, já teria chegado a dois dígitos. O mesmo aconteceu com os eletrodomésticos, que, só em janeiro, cresceram 25%.

Especialista no comportamento do consumidor, a professora Eliane Rodrigues do Carmo, do curso de administração da Universidade Estadual do Oeste (Unioeste), do Paraná, diz que o novo cliente da classe C é mais racional e sabe que trabalha com uma renda mais restrita. Ele quer consumir, mas procura gastar apenas o necessário, e a compra miúda é seu grande aliado. Assim, economiza para realizar desejos como comprar bens duráveis como carros ou a casa própria.

Inflação está no inconsciente coletivo

A equipe econômica se preocupa com a diversidade dos aumentos na economia, mas destaca que não tem como controlá-los, como no passado. Cabe à própria sociedade desenvolver os seus métodos para gastar menos.

- O consumidor tem de pesquisar. Também fazemos uma pesquisa semanal dos 40% principais produtos que vendemos para manter uma média de 5% de vantagem em relação aos concorrentes. O cliente quer bons preços - disse o diretor do GBarbosa.

O vice-presidente Corporativo do grupo Pão de Açúcar, Hugo Bethlem, diz que há exagero nos temores em relação à inflação:

- O varejo sempre foi o grande freio da inflação e continua sendo. Não compro o que sei que meu cliente não vai pagar.

O desejo de consumir bens duráveis também é um novo traço do consumidor pós-hiperinflação, segundo o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, que já foi diretor do BC. Mas ele avisa que a inflação ainda paira no inconsciente coletivo e que os brasileiros trabalham com expectativas.

- À medida que a inflação fica alta, fornecedores e consumidores vão embutindo nos preços o chamado prêmio de desconfiança. Cabe ao Banco Central entregar a inflação que promete.