Título: Com sede e tão perto d¿água
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 19/07/2009, Política, p. 2

Projeto Flores de Goiás é espelho do que ocorre no país: obras que se arrastam há anos e poucos beneficiados

Agricultores precisam recorrer a carretas de boi para fazer o transporte de água Milton colheu só 60 sacos de milho e terá apenas R$ 1 mil para passar o restante do ano

Flores de Goiás (GO) ¿ O lote de Roberto Andrade no assentamento Santa Maria está localizado entre duas barragens, distante dois quilômetros do rio Paranã e a apenas 500 metros do canal principal do maior projeto de irrigação do estado. Mas ele não tem água para irrigar as plantas nem dar de beber aos animais. A família bebe a água aparada na cisterna. Assim como ele, outras 2,4 mil famílias esperam pela conclusão do projeto de irrigação Flores de Goiás, que terá 10 barragens e um canal de 109km para irrigar 26 mil hectares. Onze anos após o início da obra, a primeira etapa do projeto beneficia diretamente apenas dois proprietários, que têm água de graça para irrigar mil hectares. Outros 30 fazendeiros aproveitam a regularização da vazão do rio Paranã para bombear água para mais 6 mil hectares.

A obra tem orçamento atualizado em R$ 650 milhões, mas vai receber apenas R$ 49 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) até o fim de 2010. O dinheiro será suficiente apenas para concluir a segunda etapa. Só a construção de um vertedouro na barragem do Paranã, concluída em 2002, vai consumir R$ 30 milhões. O restante ¿ R$ 19 milhões ¿ já foi utilizado na construção da barragem Porteira, que está pronta, mas aguarda a próxima estação de chuvas para encher. As próximas etapas serão readequadas. O Tribunal de Contas da União (TCU) exige a desapropriação das terras a serem irrigadas.

Distante cerca de 80km da primeira barragem, o assentamento São Vicente abriga 539 famílias. Os agricultores já estão perdendo a esperança de contar com o projeto de irrigação. Jacinto Pereira Filho, 45 anos, chega a percorrer seis quilômetros numa carreta de boi para buscar água no rio Macacão, onde deveria existir outra barragem. ¿Irrigação? Não tenho mais esperança. Do jeito que vai, esse assentamento vai acabar¿, comenta.

Milton Monteiro da Silva, 52 anos, não acredita mais na promessa de que a irrigação vai chegar. ¿Essa promessa é velha. Desde quando entrei aqui ela existe.¿ Ele diz estar no assentamento há 12 anos. ¿Quando a gente veio, disseram que ia ter água, luz e até asfalto.¿ Sem irrigação, Milton colheu apenas 60 sacos de milho neste ano, numa lavourinha de três hectares. A renda da safra, R$ 1 mil, vai ter que durar o ano inteiro. Alfredo da Silva, 62, fez uma pequena barragem, mas a água é barrenta, esbranquiçada. ¿Parece um leitinho, mas é boa¿, conforma-se.

Poucos quilômetros abaixo da barragem do Paranã, Delmar Etcheverria planta 600 hectares de cultura irrigada (arroz e feijão). Usou a irrigação em 2003 e 2004, mas a barragem foi parcialmente sangrada em 2004, para não estourar. Neste ano, ele voltou a plantar com irrigação. Delmar fala que não paga nada pelo uso da água. ¿Por enquanto, não. Enquanto não arrumar tudo, ninguém está pagando nada.¿ Ele afirma que já comprou as terras valorizadas. Pagou R$ 4,5 mil por hectares, quase o dobro de média da região.

O diretor de Irrigação da Secretaria de Planejamento de Goiás (Seplan), Adalberto Sampaio, explica o motivo de a obra não estar concluída 11 anos após o início. ¿Falta de dinheiro. A obra tem 90% de recursos federais. As liberações não aconteceram de acordo com o cronograma.¿ E por que só dois fazendeiros são os beneficiados? ¿Porque só temos canais para chegar aos mil hectares. O projeto não andou. Como vamos irrigar onde a água não chegou?¿ Questionado se um projeto de irrigação público pode beneficiar particulares, responde: ¿O conceito do projeto previa que o governo entraria com a infraestrutura hidráulica. Os proprietários entrariam com a terra. O TCU determinou que sejam feitas as desapropriações. Estamos fazendo isso.¿ As desapropriações vão custar mais R$ 100 milhões.