Título: Estamos no mesmo barco, senador
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 19/07/2009, Política, p. 4

O fiscal do jornalista e o do político são a mesma pessoa. Só o papel muda, conforme o político que está no alvo, amigo ou inimigo do tal fiscal. É como no antigo teatro grego, só muda a máscara do ator

O presidente do Conselho de Ética, Paulo Duque (PMDB-RJ), é mais um a relativizar o peso da ¿opinião pública¿. Coloco entre aspas só para manter aberto um conceito que, ao significar muitas coisas diferentes, não explica exatamente o que é. Quando políticos dizem estar ¿se lixando¿ para a opinião pública, é óbvio que eles não usam a expressão como sinônimo, por exemplo, de ¿eleitorado¿. Você não vê o sujeito que depende de voto sair por aí alardeando que se lixa para o eleitor. Seria suicídio.

Então, quando o presidente do Conselho de Ética fala, a coisa precisa ser compreendida na dimensão certa. Eu entendi que o senador não está nem aí para aquele pedaço da população cujas ideias supostamente flutuam ao sabor do que é veiculado em jornais, revistas, rádios e tevês, ou então, em canais da internet controlados pelas empresas de comunicação. Até porque, segundo Duque, é cada vez mais relativa a influência dos meios tradicionais da imprensa na assim chamada ¿formação de opinião¿. Eis aí um fato.

Deduz-se então que os agentes públicos estariam à beira de ingressar numa nova realidade, mais confortável. Por causa da revolução introduzida com a tecnologia digital e as redes, as instituições poderiam agora fazer a própria comunicação, e ela seria suficiente. Quem tiver a curiosidade de saber o que vai pelo Senado deverá buscar no senado.gov.br. Valerá também para o camara.gov.br, ou para o planalto.gov.br. Ou então, sei lá, para o cocacola.com.br. Além da onipresente comunicação institucional, sobraria um universo pulverizado de blogueiros, ativistas e curiosos digladiando-se nos orkuts, twitters e blogs.

Será que o futuro vai ser mesmo assim? Aposto que não. Do lado da oferta, sempre haverá a necessidade de que alguém, com foco profissional e independência diante da fonte, vá atrás do fato em estado bruto, transforme em notícia ou análise, empacote e distribua. Porque sempre haverá demanda por algo com tais características. É insensato imaginar que uma sociedade aberta, mergulhada em informação e completamente interconectada, irá satisfazer-se com notícias produzidas por fontes oficiais. Por mais competentes que sejam. E, aliás, têm sido.

É provável que o jornalismo do futuro pareça-se com o atual, diferenciando-se nos mecanismos de distribuição e ¿ importante ¿ nas crescentes e instantâneas possibilidades de crítica e controle social. É algo a que os jornalistas ¿ seres tendentes à autossuficiência ¿ devemos nos habituar. Morreu o jornalismo acostumado apenas a dizer, sem conseguir ouvir. São milhares, milhões de pedras atiradas no lago em intervalos curtíssimos, ou mesmo simultaneamente, apenas para usar a imagem da teoria célebre. O reinado da meia dúzia de ¿formadores de opinião¿ não existe mais. Se é que existiu um dia.

Assim como está morta a política que se acha dispensada de dar satisfações à sociedade. Eu tenho aqui uma péssima (ou ótima, conforme o ângulo) notícia para o senador Paulo Duque. Pau que dá em Chico dá também em Francisco. O fiscal do jornalista e o do político são a mesma pessoa. Só o papel muda, conforme o político que está no alvo, amigo ou inimigo do tal fiscal. É como no antigo teatro grego, só muda a máscara do ator.

No mundo que vem aí, jornalistas e políticos deveremos habituar-nos à duríssima fiscalização do público. Como nos bons call-centers, ela será 24x7x365.

Se eu escrever uma bobagem, o leitor não precisará esperar na fila pela publicação de uma cartinha, nem implorar por uma rápida e protocolar conversa telefônica. Ele poderá me detonar em tempo real na rede. A mesma coisa com os políticos. O eleitor não precisará esperar pela distante eleição para se vingar. Bem vindo ao admirável mundo novo, senador.