Título: Tropas de Kadafi avançam
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Fonte: O Globo, 05/03/2011, O Mundo, p. 25

Governo líbio reconquista parte de Zawiya e dispara em manifestantes em Trípoli

TRÍPOLI

A sexta-feira de fúria, que deveria ser marcada por protestos contra Muamar Kadafi na Líbia, tornou-se também um dia de fortes contraofensivas das forças do governo. Além de lançar um ataque tão violento contra a cidade rebelde de Zawiya que foi descrito como um massacre, o regime disparou contra manifestantes pacíficos em Trípoli e bombardeou outras posições tomadas pelos revoltosos. À noite, o governo já reconquistara Zawiya, no oeste, embora partes dela ainda estejam sob domínio rebelde. Já os revolucionários avançavam no leste, anunciando a tomada de Ras Lanuf.

A violência das ofensivas de ontem, de ambos os lados, demonstra a escalada dos esforços tanto de Kadafi quanto dos rebeldes para romper o impasse que vive o país após quase 20 dias de revolta. Os combates em Zawiya deixaram de 30 a 50 mortos, incluindo um líder rebelde local, segundo jornalistas estrangeiros que percorreram os hospitais. Os feridos eram estimados em pelo menos 200, e havia dezenas de desaparecidos. As forças de Kadafi usaram morteiros e metralhadoras para atacar Zawiya, no momento em que manifestantes realizavam um protesto pacífico na Praça dos Mártires, abrindo fogo contra eles. Testemunhas falaram em rios de sangue nos hospitais, onde já faltam material médico e remédios para o atendimento. Mesmo ambulâncias que recolhiam os feridos foram paradas e atacadas, e seus ocupantes, mortos, contam testemunhas.

- Civis foram mortos. O ataque foi indescritível. Eles abriram fogo diretamente contra as pessoas - contou uma testemunha.

A apenas 50 quilômetros a oeste de Trípoli, Zawiya estava nas mãos de revoltosos havia dias, causando embaraço e representando uma grande ameaça a Kadafi. O combate durou boa parte do dia e, à tarde, a TV estatal afirmou que o povo de Zawiya e as autoridades "tomaram o controle da cidade de terroristas armados". Uma força improvisada de rebeldes foi acuada na praça, mas prometia resistir. E embora o governo afirme ter reconquistado a cidade, parte dela ainda está em mãos dos rebeldes.

- Nós estamos na praça. Todas as nossas forças estão aqui - contou um porta-voz dos rebeldes, que estimou o grupo em duas mil pessoas. - A praça está segura, mas estão atacando pelo leste e pelo oeste. Vamos lutar até o final.

Interpol emite alerta contra ditador e aliados

Pela manhã, a cidade foi atacada pela Brigada Khamis - força de elite que leva o nome de seu comandante, um dos filhos de Kadafi - com tanques, morteiros e artilharia pesada em sua zona oeste. Depois, um novo grupo avançou pelo oeste. No confronto com as tropas de Kadafi, morreu o comandante rebelde Hussein Darbouk, atingido por uma arma de defesa antiaérea em Harsha, cidadezinha nos arredores de Zawiya. Darbouk era um coronel do Exército que desertara no início do levante.

- Já escolhemos um substituto. As pessoas estão usando espadas e rifles de caça para defender a Praça dos Mártires. Até mães estão usando essas armas - contou Youssef Shagan, porta-voz dos rebeldes.

Em Trípoli, as manifestações foram duramente reprimidas, mas poucos observadores puderam registrar ou divulgar o que ocorreu, pois jornalistas estrangeiros eram impedidos de sair dos hotéis - sob o pretexto de que poderiam ser alvo de terroristas - e a capital ficou sem internet durante boa parte do dia.

Cerca de mil pessoas protestavam nas ruas após as orações de sexta-feira, quando forças pró-Kadafi lançaram gás lacrimogêneo contra manifestantes. Golpes de cassetetes e tiros contra civis também foram registrados.

- Ouvi tiros. As pessoas estão com medo - contou um repórter em Tajoura, um dos bairros de Trípoli onde os protestos têm sido mais constantes.

Tiros também foram relatados em Misurata, onde a Anistia Internacional denunciou que forças pró-Kadafi dispararam contra uma equipe médica que tentava recuperar um corpo. Dois médicos ficaram feridos. "Este perturbador ataque indica que os grupos pró-Kadafi estão preparados para usar a força letal indiscriminadamente mesmo contra aqueles cujo papel é cuidar dos feridos e recolher os mortos", disse a organização num comunicado.

Segundo a rede britânica BBC, as forças do governo receberam o reforço de centenas de mercenários tuaregues, vindos de Mali.

Em Paris, a Interpol emitiu um Alerta Laranja citando Kadafi e 15 integrantes de seu círculo mais íntimo. O alerta, que não representa uma ordem de prisão, ajudará os países a aplicarem as sanções determinadas pela Organização das Nações Unidas. Com as informações difundidas pela Interpol, as polícias locais, em especial as de fronteira, poderão cumprir a proibição de viagem e o congelamento de ativos.