Título: Mosquito chapa-branca
Autor: Benevides, Carolina ; Martin, Isabela
Fonte: O Globo, 08/03/2011, O País, p. 3

Em pelo menos cinco dos 16 estados brasileiros com risco muito alto de epidemia de dengue, o mosquito Aedes aegypti encontra abrigos oficiais: em vários prédios públicos, há potenciais criadouros do mosquito. Em Teresina, cemitérios municipais e depósito de carros se transformam em focos devido ao acúmulo de água e tanques abertos. O Hospital Otávio de Freitas, em Recife, transformou-se em grande foco de proliferação, diz o Conselho estadual de Saúde. Em Manaus, prédios das esferas municipal, estadual e federal têm criadouros, assim como prédios em Maceió. E, em Fortaleza, o problema está em escolas e cemitérios.

Ano passado, segundo estimativa do Ministério da Saúde, o Brasil teve 1 milhão de casos de dengue, sendo 15,5 mil graves e que exigiram hospitalização. As mortes chegaram a 550. O ministério diz que destinará mais de R$60 milhões para combate à dengue neste verão: R$40 milhões serão para campanhas de mídia; outros R$10,1 milhões, para compra de inseticidas e larvicidas; R$6,9 milhões, para compra de equipamentos e veículos; R$2,29 milhões, para aquisição de kits para diagnóstico e R$2,12 milhões, para a compra de medicamentos.

- Para ter moral para cobrar é preciso dar o exemplo - diz Jarbas Barbosa, secretário de vigilância sanitária do Ministério da Saúde. - (O fato de prédios públicos terem focos) Comprova que ter informação não é suficiente. É preciso transformar a informação em ação. Temos dados que mostram que 90% da população sabem como evitar o surgimento de criadouros, mas que só 50% seguem as orientações quando não há epidemia. Isso se reflete nos órgãos públicos.

Segundo Barbosa, todos os estados e o DF tiveram de elaborar plano de combate à dengue. Mas, em janeiro, o ministério constatou que a maioria não tinha posto o plano em ação:

- Não faz parte da cultura brasileira se preparar. E sem preparo, no começo da crise, perde-se tempo precioso. A preparação permite que, se houver falha, a resposta seja rápida. Ao vermos que os estados não colocavam os planos em prática, passamos a acompanhar os 16 com mais risco.

Em hospital, 15 caixas destampadas

Em Recife, as notificações de dengue feitas pela Secretaria estadual de Saúde aumentaram 27,03% este ano, em comparação ao mesmo período do ano passado. No Hospital Otávio de Freitas, ligado ao SUS, O GLOBO encontrou só em um setor, perto da emergência, 15 caixas destampadas ou com fissuras. Perto da lanchonete, há um terreno com copos e garrafas. No pátio externo, a carcaça de um orelhão acumula água da chuva. E, no arquivo médico, infiltrações também levam a acúmulo de água quando chove.

- A questão dos focos de dengue no hospital é séria. O seu conselho gestor, do qual faço parte, já encaminhou vários documentos aos responsáveis pela manutenção, mas nada se faz - acusa Maria da Conceição Albuquerque, funcionária da unidade.

- Foco de dengue, há em quase todo hospital público - afirma Carlos Antônio Alves de Freitas, da Comissão de Combate à Dengue do Instituto de Trabalho e Gestão.

O diretor do hospital, Antônio Barreto, disse não ter conhecimento dos problemas denunciados:

- Não recebi denúncia nesse sentido. Se tivesse recebido, teria tomado providência.

Segundo a Secretaria de Saúde de Pernambuco, em 2011 já foram notificados 2.326 casos em 141 dos 184 municípios. Além de Pernambuco, outros 15 estados fazem parte do novo mapa de risco da dengue no Brasil: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Sergipe e Tocantins. O mapa foi feito com base em seis critérios: incidência de casos nos anos anteriores; índice de infestação; tipos de vírus em circulação; incidência atual de casos; cobertura de abastecimento de água e coleta de lixo; densidade populacional.

Em Alagoas, houve 1.190 notificações entre 2 de janeiro e 19 de fevereiro. No mesmo período de 2010, foram 717. Dos 1.190 casos, 229 foram confirmados e 883 estão sob investigação. Há 32 casos de dengue hemorrágica notificados, três confirmados.

A 50 metros da Procuradoria Regional do Trabalho, no bairro da Mangabeiras, área nobre de Maceió, poças de água se acumulam. Do outro lado da rua, um canal com esgoto transporta lixo - e os criadouros do mosquito, como potes e garrafas pet.

No Centro da cidade, mais poças de água, só que a 50 metros da Secretaria municipal de Saúde. E, em frente à sede da Justiça do Trabalho, há lixo pela praia da Avenida da Paz e mais água das chuvas, acumulada há dias.

Em Teresina, cemitérios e depósito de carros roubados da Polícia Interestadual são focos com água parada e tanques abertos. No Cemitério do Buenos Aires, mantido pela prefeitura, a caixa d"água utilizada no acúmulo de água usada para regar as plantas dos túmulos fica aberta dia e noite.

O administrador do cemitério, Helcimatos da Silva Rocha, diz que a caixa descoberta não é problema porque sempre estão secando e enchendo novamente. Mas ele diz que o cemitério é criadouro de mosquitos da dengue porque existem cerca de 70 túmulos que as famílias não fecharam.

A secretária de Saúde do Piauí, Lilian Martins, reconhece a dificuldade:

- Estamos integrados, governo e prefeituras. Agora, é realmente possível escapar alguma coisa, mas estamos trabalhando. Na Secretaria de Saúde também tínhamos sucatas, mas recolhemos e deixamos três, que são de veículos de convênio com o governo federal, mas cobrimos.

Boletim da Vigilância Epidemiológica do Piauí, divulgado no final de semana, mostra que o estado possui 1.568 notificações de dengue. Em 2010, no mesmo período, tinham sido registrados 1.064, aumento de 47,4%.

Em Manaus, cidade com um dos maiores registros de dengue do país, prédios públicos das esferas municipal, estadual e federal têm criadouros do mosquito. Vítima de dengue hemorrágica em janeiro deste ano, o servidor público Raimundo Ferreira, de 41 anos, acusa o estacionamento do Instituto Municipal de Trânsito e Transporte Público, na Zona Oeste de Manaus, de ser o foco do mosquito na região:

- Os carros abandonados deixam acumular água e atraem os mosquitos. Dezenas de pessoas que moram perto pegaram a doença e nada é feito.

Na área, há 200 carros e apenas um vigilante. Pneus e portas de carros acumulam água da chuva.

Na Fundação Villa-Lobos, na capital amazonense, uma reforma interrompida gerou criadouros de dengue. As obras estão paradas desde janeiro de 2010 e não foram retomadas este ano por conta do período chuvoso. A sede da fundação fica em frente ao prédio da Secretaria municipal de Saúde.

Ana Carla dos Santos, líder comunitária do bairro Vila Amazonas, na região, disse que mês passado mais de 50 pessoas do bairro tiveram dengue:

- Já denunciamos às autoridades, mas ninguém toma providências.

Em menos de dois meses, a quantidade de mortes por dengue no Amazonas é a maior dos últimos 11 anos: oito confirmadas, e cinco mortes em fase de investigação. A Secretaria municipal de Saúde de Manaus prometeu multar proprietários de imóveis que mantiverem criadouros do mosquito Aedes aegypti em suas propriedades. A multa pode chegar a R$26,5 mil.

Túmulos viram "piscinas" no Ceará

Em Fortaleza, o risco da dengue, que já matou 12 pessoas este ano no Ceará, ronda prédios públicos. No cemitério público do Bom Jardim, a terra sobre alguns túmulos está cedendo e provocando a criação de "piscinas" que podem virar viveiros do mosquito. Garrafas pet cortadas ao meio e usadas como vasos de flores também estão acumulando água. Em nota, o distrito de endemias da Secretaria Executiva Regional V informou que um fiscal será enviado ao cemitério para fazer inspeção e cobrar medidas necessárias.

Na escola municipal Odilon Braveza, a galeria para escoar água da chuva deu origem a poças. Segundo a diretora Neila Maria Almeida da Silva, a galeria deveria ser limpa diariamente.

- É um prato cheio para a dengue - disse Jocerlania de Moraes, uma das coordenadoras da escola.

Com 604 alunos, a escola fica nos fundos de um posto de saúde, que orienta a população sobre a doença. A diretora disse que aproveitaria o carnaval para resolver o problema. Com 4.355 casos confirmados da dengue em 128 municípios, segundo a Secretaria de Saúde do estado, o Ceará tem 86 dos 184 municípios classificados com risco alto ou muito alto de epidemia da doença.

COLABORARAM: Efrém Ribeiro e Odilon Rios