Título: Lotação esgotada
Autor: Werneck, Antônio
Fonte: O Globo, 08/03/2011, Rio, p. 9

Um impasse entre a Polícia Federal e a Receita Federal está deixando sem destino pelo menos dois mil caça-níqueis apreendidos este ano no Rio. Recolhidas em dezenas de operações realizadas pela PF, as máquinas estão agora expostas ao sol e à chuva. A Receita, que deveria receber o material e, com autorização judicial, destruí-lo, alega não ter mais espaço em seu depósito, que estaria lotado. Com isso, os caça-níqueis estão sendo empilhados no estacionamento no interior da sede da Superintendência Regional da PF, na Praça Mauá. O problema tende a se agravar, porque a PF continuará fazendo operações para apreender essas máquinas e poderá não ter mais espaço para estocá-las nem mesmo ao relento. Na semana passada, por exemplo, 150 foram recolhidas em ações na capital e na Baixada Fluminense.

Duas reuniões com representantes da PF, da Receita, do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União (AGU) já foram realizadas este ano para tentar resolver o problema.

- É uma situação curiosa. Estamos enchendo o pátio de máquinas e ficando sem espaço para os carros - afirmou um policial federal.

Há dois anos, a PF passou a intensificar o combate à máfia dos caça-níqueis. Pelo menos 150 pessoas foram presas ou detidas, suspeitas de envolvimento com a contravenção. Encaminhadas para o Presídio Ary Franco, em Água Santa, elas são acusadas de contrabando e formação de quadrilha. Este ano, as ações da PF, realizadas pela Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários, passaram a acontecer quase todos os dias. Na última semana, a PF deflagrou, em conjunto com a Coordenadoria de Inteligência da Polícia Militar, a Operação Estrangulamento.

Na 3ª etapa da operação, ocorrida na manhã da última quinta-feira, foram recolhidas máquinas situadas nos arredores do Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho. Quatro pessoas foram presas e levadas para o Ary Franco.

Bingo funcionava dentro de garagem

A PF também passou a realizar operações com a Corregedoria da Polícia Civil. Na última terça-feira, fechou um bingo clandestino na Rua Clapp Filho, no Cachambi. Segundo o delegado da PF Marcelo Daemon, que coordena as ações, a casa de jogos funcionava na garagem de um prédio. No local foram apreendidos 45 caça-níqueis. A gerente do estabelecimento foi presa.

Flagrado por policiais durante uma operação, no dia 17 de fevereiro, para apreender caça-níqueis em Cascadura, Haylton Scafura, filho do bicheiro José Caruzzo Scafura, o Piruinha, foi levado para a sede da PF. Segundo o delegado Marcelo Daemon, Haylton estava próximo ao local das apreensões, fazendo sondagens sobre a operação. Com o filho do bicheiro, foram detidos dois policiais militares, que trabalham na sua segurança. Após prestar esclarecimentos na PF, Haylton foi liberado.

A operação foi realizada pela Polícia Federal com apoio da Coordenadoria de Inteligência da PM. Participaram da blitz 60 agentes federais e 12 PMs. No total, oito pessoas foram presas e 131 caça-níqueis, apreendidos. Entre os presos, estavam donos de estabelecimentos onde as máquinas se encontravam e também pessoas que trabalhavam no recolhimento do dinheiro arrecadado com o jogo ilegal.

Em depoimento prestado à PF, um ex-informante da Polícia Civil afirmou, sem dizer o nome, que o filho de Piruinha tinha ligação com o sargento do Exército Volber Roberto da Silva Filho, traficante de armas e especialista em explosivos, que morreu em julho do ano passado. Segundo a polícia, Volber reagiu a um cerco feito por agentes da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod). Ele teria fornecido a bomba usada no atentado em que morreu o filho do bicheiro Rogério Andrade, na Barra da Tijuca. O depoimento aos policiais federais aconteceu durante a fase de preparação da Operação Guilhotina, deflagrada no dia 11 de fevereiro passado e que resultou na exoneração do então chefe de Polícia Civil, Allan Turnowski, levando à prisão 39 pessoas, sendo 30 policiais civis e militares.

No início deste ano, o delegado Marcelo Daemon foi ameaçado de morte. Ele seria o próximo alvo da máfia dos caça-níqueis. A informação repassada à PF chegou pelo Disque-Denúncia (22531177).

- Já tinha recebido ameaças antes, mas não com essa consistência. A denúncia dá os nomes dos bicheiros que teriam se reunido para decidir que eu deveria ser executado. O plano dos chefes seria executado por um policial do 16º BPM (Olaria) - disse na época o delegado Daemon ao site G1.

Segundo o policial, os nomes que constavam da denúncia, inclusive o do policial, foram checados pela PF e conferiam com dados reais dos suspeitos. A ligação chegou ao Disque-Denúncia no mesmo dia em que o delegado deflagrou uma operação que fechou uma fábrica de caça-níqueis e prendeu cinco integrantes da quadrilha dos contraventores citados na denúncia.