Título: Casuísmo nos aeroportos
Autor: Chaves, Alexandre Ribeiro
Fonte: O Globo, 10/03/2011, Opinião, p. 7

Num momento em que a Infraero vem colaborando com o Ministério Público Federal para regularizar e moralizar a exploração de espaços como lojas e restaurantes nos aeroportos, o Congresso Nacional encaminha, inesperadamente, uma emenda para prorrogar os atuais contratos até o fim dos Jogos Paraolímpicos no Rio de Janeiro, em 2016, independentemente dos prazos vigentes. Autor da emenda, o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, incluiu no projeto de lei relativo à criação da Autoridade Pública Olímpica um dispositivo que corre na contramão do imenso esforço para inibir apropriações indevidas do patrimônio público.

O problema não se refere à totalidade dos estabelecimentos comerciais em aeroportos, mas diversos deles foram ocupados durante anos, através de contratos sem licitação, passíveis de sucessivas e indefinidas prorrogações, num evidente desrespeito ao Código Aeronáutico Brasileiro, à Lei de Licitações e à Constituição Federal.

A situação já havia sido enfrentada em 1994 pelo Tribunal de Contas da União, que determinou a abertura de concorrência e a previsão de prazos máximos e definitivos de vigência. Mesmo assim, depois de 15 anos, o Ministério Público Federal constatou várias concessões, em todo o país, com contratos não licitados e/ou com prazos acima do limite legal, o que levou à criação de um grupo de trabalho para levantar as áreas comerciais em aeroportos, em nível nacional, visando a detectar contratos em desacordo com a lei.

Após sucessivas discussões entre os concessionários e a direção da Infraero, o Ministério Público finalmente celebrou acordos - os chamados "termos de ajustamentos de conduta" - estabelecendo a desocupação voluntária das áreas, em prazos negociados com os envolvidos. Quanto às concessões em que não houve acordo, os procuradores da República pediram à Justiça a anulação dos contratos e a desocupação das áreas. A título de ilustração, foram celebrados somente no Rio de Janeiro cerca de 30 acordos e propostas nove ações civis públicas.

Todo este trabalho buscou encerrar um histórico de abusos e irregularidades na exploração comercial nos aeroportos, em que empresas particulares ocupavam áreas públicas por anos, às vezes décadas, a fio (há ocupações que contam atualmente com mais de 30 anos, cujos contratos possibilitavam prorrogações até o ano de 2023!). A proposta de Marco Maia, contudo, ameaça inaugurar um novo ciclo de apropriações privadas do bem público.

Muito mais que prorrogar automaticamente contratos atuais até os Jogos Paraolímpicos, a emenda prevê medidas que abrirão brechas a novos pedidos de prorrogação de prazo para além de 2016, sempre com a justificativa de "amortizar investimentos realizados". Exemplo disso são os empréstimos a serem feitos pelos concessionários à administração aeroportuária e realização de obras não previstas nos contratos originais. Medidas como essa induzem à fragilização da Infraero frente a grandes grupos comerciais que sempre pressionaram pela perpetuação de seus negócios nos aeroportos.

Não bastasse esse risco, a continuidade dos contratos atuais acarretaria sérios prejuízos à Infraero, que vem conseguindo boas receitas com as licitações de áreas recentemente desocupadas, até então defasadas em seu preço de mercado. Da mesma forma, os usuários seriam afetados, pois o mercado de serviços aeroportuários continuará restrito aos concessionários de sempre, impedindo a entrada de novos interessados que venham oferecer utilidades melhores e mais baratas aos passageiros.

O projeto de lei segue, ainda, para sanção do Palácio do Planalto. Esperemos por um veto presidencial que encerre, em definitivo, mais este capítulo do patrimonialismo brasileiro.