Título: A espinhosa evolução humana
Autor:
Fonte: O Globo, 10/03/2011, Ciência, p. 32

Perda de espinhos no pênis estaria associada à relação sexual mais prolongada

O sexo entre seres humanos seria uma experiência bem diferente se o pênis do homem não tivesse perdido os espinhos, pequenas estruturas flexíveis de queratina ainda presentes em ratos, gatos, macacos e outros mamíferos. Esta e outras características que nos fazem essencialmente humanos, como os cérebros relativamente maiores do que os de outros animais, evoluíram a partir da perda de trechos específicos de DNA, revelam pesquisadores das universidades americanas de Stanford, Geórgia e Pensilvânia em artigo publicado na edição desta semana da revista ¿Nature¿.

Tendo à mão tanto o genoma completo humano quanto o de vários outros animais, os cientistas decidiram focar seu estudo do que nos faz diferentes naquilo que falta em nosso DNA nas áreas relacionadas àquelas características que nos tornam diferenciados. Comparando o genoma humano com o de chimpanzés, animais com que dividimos aproximadamente 99% de nosso DNA, os pesquisadores identificaram 510 trechos presentes nos primatas que sumiram nos homens ao longo de sua evolução. Assim, eles descobriram não só o mecanismo molecular que fez o pênis do homem perder os espinhos como também o que permitiu o crescimento de cérebros maiores.

¿ É uma pequena, mas fascinante, parte do quadro maior da evolução de traços especificamente humanos ¿ disse Gil Bejerano, biólogo da Universidade de Stanford e um dos principais autores do estudo, ao site da ¿Nature¿. ¿ Adicionamos uma perspectiva molecular a uma discussão que já dura pelo menos algumas décadas ¿ acrescentou, em uma referência aos debates científicos e filosóficos sobre o que nos faz tão diferentes.

Há tempos acredita-se que os homens modernos desenvolveram pênis lisos como resultado da adoção de estratégias de reprodução mais monógamas que as de seus ancestrais. Originalmente, os espinhos teriam a função de ajudar a remover o esperma de rivais que tivessem copulado anteriormente com aquela fêmea, garantindo assim a propagação de seus genes.

Um cérebro maior e monogâmico

Dos 510 trechos de DNA que faltam nos humanos e estão nos chimpanzés, os cientistas descobriram que quase todos eram de regiões não codificantes do genoma, isto é, do espaço entre os genes que podem ajudar ou não a regular na sua expressão. Destes, eles decidiram se focar em dois: um próximo ao gene de um receptor andrógeno (AR) e outro próximo a um gene envolvido na supressão de tumores (GADD45G).

No primeiro caso, os pesquisadores descobriram que o desaparecimento do trecho impede a formação dos espinhos no pênis humano, assim como o desenvolvimento de terminações nervosas mais sensíveis na genitália e nos pelos da face.

¿A morfologia peniana simplificada tende a ser associada com estratégias reprodutivas monogâmicas nos primatas. A remoção dos espinhos diminui a sensibilidade tátil e aumenta a duração da penetração, indicando que sua perda na linhagem humana pode estar associada à maior duração da cópula na nossa espécie na comparação com os chimpanzés¿, destacaram os autores no artigo.

Já a segunda sequência atuava como um freio no crescimento de algumas regiões do cérebro. Sua perda, portanto, teria permitido um maior desenvolvimento destas áreas, abrindo o caminho para a evolução de um cérebro maior nos seres humanos. Agora, os cientistas pretendem estudar os outros 508 trechos identificados como ausentes no genoma humano em busca de outros efeitos evolucionários que nos fazem ser o que somos.

Mais estudos para novas sequências

¿Os humanos diferem dos animais em muitos aspectos da sua anatomia, fisiologia e comportamento, mas a base genotípica da maioria destes traços especificamente humanos permanece desconhecida. A lista completa destes trechos de DNA ausentes pode conter locais associados com outras características humanas específicas, possibilidade que agora pode ser testada em novos estudos funcionais destas sequências não codificantes que surpreendentemente não estão no genoma humano¿, concluem.