Título: Rebeldes querem empresas brasileiras de volta
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Fonte: O Globo, 11/03/2011, O Mundo, p. 28

BENGAZHI, Líbia. O ditador Muamar Kadafi resistia e contra-atacava ontem em várias frentes, mas os rebeldes que conquistaram parte do país já fazem planos para uma nova Líbia. Um dos planos, se confirmado, é uma boa novidade para as empresas brasileiras que operam na região, como as construtoras Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Odebrecht: as forças opositoras prometem não apenas garantir contratos, como compensar as perdas durante a revolução.

¿ Não é somente para garantir os empregos (no pós-guerra). É por princípios éticos e morais. Todos concordam com isso ¿ disse o empresário Issam Gueriani. A mulher de Gueriani, Salwa El-Deghali, faz parte do Conselho Nacional de Transição, espécie de braço político dos rebeldes. Com uma queda eventual de Kadafi, este conselho organizaria a transição no país. Segundo Gueriani, a compensação para perdas das empresas estrangeiras que tiveram que deixar a Líbia às pressas "foram discutidas, e todos estão de acordo". Ele não deu mais detalhes sobre como seria esta negociação.

O engenheiro civil líbio Atif el-Hasia, que faz parte do conselho administrativo da Queiroz Galvão na Líbia, disse ontem que os rebeldes querem as empresas brasileiras de volta.

¿ As casas dos brasileiros da Queiroz Galvão foram intocadas e estão protegidas ¿ disse.

Além da Queiroz Galvão, há outras duas construtoras operando no país: Odebrecht e Andrade Gutierrez. A Odebrecht, por exemplo, interrompeu duas grandes obras por causa da revolta: a construção do novo terminal de passageiros no aeroporto internacional e um anel viário em Trípoli. Já a Queiroz Galvão tem seis grandes projetos na Líbia, que somam US$2,5 bilhões, segundo Hasia:

¿ Vamos honrar os contratos ¿ garantiu, ontem, Abdelhafed Abdelkadir Ghoga, porta-voz do Conselho Nacional.

"Não combater significa a morte sem dignidade" Mas outro empresário da família Gueriani, Mustafa, disse que um futuro governo vai passar um pente fino nos contratos, sobretudo os que foram negociados de forma obscura pelos filhos de Kadafi.

¿ A Líbia é considerada um dos países mais corruptos do mundo ¿ justificou.

Atif não tem o mesmo discurso: ¿ Se quisermos reconstruir o país, não podemos ficar olhando para trás. O que foi feito, foi feito. Temos que focar no que vamos fazer daqui para frente. Ontem, com os ataques do regime se intensificando em Ras Lanuf ¿ cidade a pouco mais de 300 quilômetros de Benghazi e que abriga um estratégico complexo petrolífero ¿ os rebeldes voltaram a pedir que a comunidade internacional decrete rapidamente uma zona de exclusão aérea. Com isso, qualquer avião do governo que atacasse cidades, como aconteceu ontem, poderia ser abatido por forças internacionais.

¿ Esperamos uma decisão sobre uma zona de exclusão nos próximos dias. Mesmo se vier tarde, é melhor do que não vir ¿ disse Ghoga.

Gueriani, o empresário, disse esperar que a decisão venha logo pois "não se pode ficar simplesmente olhando pessoas morrendo diariamente". Perguntado se não se sente desencorajado com os últimos ataques aéreos, que impedem os rebeldes de avançarem e tentarem conquistar Trípoli, a capital, ele respondeu:

¿ Não podemos nos permitir ficar desencorajados, porque atingimos um ponto em que não tem mais volta. Não combater Kadafi significa a morte sem dignidade. Kadafi tem mais poder de fogo, mais armas, mas nós temos cinco milhões de pessoas querendo derruba-lo.