Título: Comissão sobre Islã é comparada a macartismo
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 11/03/2011, O Mundo, p. 29

WASHINGTON. Desde as 6h da manhã de ontem, uma fila começou a se formar diante de uma das alas do Congresso americano. Às 8h30m, uma centena de pessoas aguardava na esperança de obter um dos 90 lugares da sala do terceiro andar reservada para as audiências da Comissão de Segurança Interna da Câmara de Deputados. O interesse se justificava pela polêmica do tema em debate: o "crescimento da radicalização da comunidade muçulmana americana". O republicano Peter King, presidente da comissão parlamentar, acusa os muçulmanos americanos de não cooperarem com as autoridades no combate ao islamismo radical, denuncia um número demasiado de mesquitas no país, e diz que mais de 80% dos líderes islâmicos nos EUA são extremistas. King, deputado de Nova York, foi comparado por críticos e opositores das suas audiências ao senador Joseph McCarthy (1908-1957), que nos anos 1950 promoveu a chamada "caça às bruxas" em sua perseguição aos comunistas por meio da Comissão de Atividades Antiamericanas. Também não faltou quem lembrasse a persecução aos japoneses, confinados em campos de detenção em sete estados americanos após o ataque de Pearl Harbor, em 1941. Ao abrir a sessão, Peter King ? já alvo de críticas no passado por defender ações do grupo terrorista irlandês IRA ? ignorou as controvérsias e defendeu sua iniciativa. -Continuo convencido de que essas audiências devem avançar, e irão. Voltar atrás seria render-se ao politicamente correto e uma renúncia ao que acredito deve ser a responsabilidade dessa comunidade: proteger os EUA de um ataque terrorista ? disse. O republicano acredita que a rede terrorista al-Qaeda, consciente das dificuldades em organizar um atentado de grande escala após as medidas preventivas adotadas no rastro dos ataques de 11 de setembro de 2001, direcionou sua estratégia para o recrutamento de pessoas que vivem legalmente nos EUA.

Para democrata, perseguição vai inspirar novos terroristas Bennie Thompson, principal representante democrata na Comissão, denunciou a acusação de radicalismo ou violência dos muçulmanos. Segundo ele, esse amálgama poderá produzir resultados indesejados no futuro. - Eu me pergunto se essas audiências, centradas na comunidade americana muçulmana, não serão usadas para inspirar uma nova geração de homens-bomba suicidas ? alertou. Houve momentos de ironia, descontração, acusações e emoção durante os testemunhos. O deputado democrata Keith Ellison, primeiro muçulmano americano eleito para o Congresso, verteu lágrimas ao lembrar a história de Mohammed Salman Hamdani, paramédico de 23 anos morto ao tentar salvar vítimas dos atentados nas Torres Gêmeas, em Nova York. O jovem, cuja mãe estava presente na sala, foi equivocadamente acusado de cumplicidade no ataque. - Nós já vimos as consequências da raiva contra muçulmanos. A melhor defesa contra as ideologias extremistas é a inclusão social e o engajamento cívico. Eu temo que essas audiências possam minar nossos esforços nesse sentido ? sustentou. A escolha das testemunhas para as audiências também foi motivo de contestação. Organizações muçulmanas moderadas foram deixadas de fora, mas estava presente Zuhdi Jasser, do Fórum Islâmico-Americano para a Democracia, assíduo frequentador do canal de TV conservador Fox News e alcunhado de "o muçulmano favorito de Gleen Bleck" ? radialista e expoente do movimento Tea Party. Jasser acusou mesquitas americanas de promoverem um Islã "político" em vez de "espiritual", com recursos da Arábia Saudita. -A radicalização é um problema e está crescendo exponencialmente ? disse. O xerife de Los Angeles Lee Baca, conhecido pelo trabalho com comunidades muçulmanas de seu condado, também deu seu testemunho, e denunciou a "suspeição generalizada": ? Isso atua diretamente na propaganda terrorista de que a guerra do Ocidente contra o terror é na verdade uma guerra contra o Islã ? concluiu.