Título: Do Rio Doce para o mundo: Vale investirá mais de US$ 9 bi no exterior até 2014
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 13/03/2011, Economia, p. 32

Com o objetivo de ser a maior mineradora do mundo e reduzir a dependência em relação ao minério de ferro, empresa diversifica suas atividades e desenvolve projetos em países da África, do Oriente Médio, da Ásia e das Américas

Disposta a ser a número um do mundo da mineração, a Vale está avançando no seu processo de internacionalização. Os novos projetos da companhia no exterior somam ao menos US$9,6 bilhões em investimentos até 2014 e abrangem países da África, do Oriente Médio, da Ásia e das Américas. Com os empreendimentos ¿ que visam à produção de carvão a fertilizantes ¿, a empresa busca diversificar suas atividades e, assim, não apenas diminuir sua dependência em relação ao minério de ferro, como também deixar para trás a australiana BHP Billiton, líder do setor em valor de mercado (US$231,4 bilhões). A mineradora brasileira vem em seguida no ranking, com US$162,5 bilhões.

Boa parte dos investimentos da Vale no exterior está concentrada no continente africano, que tem um potencial gigantesco para a indústria da mineração ainda inexplorado. É lá que a Vale desenvolve o projeto de carvão de Moatize, em Moçambique, com capacidade inicial de 11 milhões de toneladas anuais e previsão de entrada em operação em meados deste ano. O investimento é de US$1,658 bilhão. Paralelamente, a empresa está construindo toda a infraestrutura de escoamento, que inclui ferrovia e um novo terminal portuário em Nacala, também em Moçambique. Este projeto, que ainda depende da aprovação do Conselho de Administração, tem recursos orçados para este ano de US$298 milhões.

¿ Moatize é o Carajás do carvão, é a última província mineral de carvão inexplorada do mundo, simplesmente porque não tinha logística ¿ diz o diretor de Operações Integradas da Vale, Eduardo Bartolomeo, comparando a mina moçambicana à grande reserva brasileira de minério de ferro em Carajás (PA).

É na África também que a companhia está desenvolvendo uma mina de cobre, na Zâmbia, e implantando o maior projeto de minério de ferro integrado com infraestrutura do continente, em Simandou, na Guiné. A companhia pretende produzir 15 milhões de toneladas de minério na primeira fase (a partir de 2012), o que demandará investimentos de US$861 milhões apenas em 2011.

Localização da África tem importância estratégica

A busca no exterior por reservas de minério, carro-chefe dos negócios da Vale no Brasil, se explica: aqui, essa riqueza se encontra principalmente no Pará e no Sul de Minas Gerais, regiões já bastante exploradas. As minas que não entraram na mira da empresa ou têm má qualidade ou são de difícil solução logística.

¿ O minério de Simandou tem qualidade muito semelhante à do Brasil, e o mercado internacional está demandante. Daí o interesse da Vale na Guiné ¿ diz Leonardo Alves, analista de mineração da Link Investimentos.

A importância da África na estratégia de internacionalização da Vale ainda se deve à sua localização, que permite a integração de diversos projetos da companhia. Como o continente fica no meio do caminho para a Ásia, mercado que mais cresce no mundo, os navios que hoje saem dos portos brasileiros levando minério para a China, por exemplo, poderão voltar com carvão de Moçambique. Assim, a Vale mata dois coelhos com uma cajadada só. Atende às siderúrgicas nacionais, que importam a matéria-prima para abastecer seus alto-fornos, e consegue reduzir o frete das embarcações, pois estas não voltarão vazias.

A proximidade com os africanos ainda rende ao presidente da Vale, Roger Agnelli, dividendos políticos. Desde que o PT chegou ao poder, a África ganhou peso na diplomacia brasileira, uma tendência que deve se manter no mandato de Dilma Rousseff. No fim de fevereiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve na Guiné ao lado de Agnelli para o lançamento de uma ferrovia no país, uma forma de estreitar os laços com o PT, num momento em que integrantes do partido travam nos bastidores uma disputa pela cadeira do executivo.

No desenvolvimento de sua infraestrutura logística mundial, a Vale também está investindo em centros de distribuição em Omã e na Malásia. A empresa não revela o investimento total neste último, mas jornais locais avaliam o projeto em US$4,5 bilhões. De acordo com Bartolomeo, a chegada da companhia ao país asiático será uma forma de driblar as dificuldades impostas pela China, primeira opção da Vale, e mais um passo na competição acirrada com a BHP.

¿ Nosso maior competidor é a Austrália (sede da BHP). Nossos navios têm que viajar 45 dias até a China. Se eu conseguir estocar o minério de ferro aqui (na Malásia), atendo os mercados asiáticos. No futuro, poderemos também estocar carvão ¿ explica Bartolomeo.

Avanço da empresa para o exterior começou em 2006

O marco do processo de internacionalização da Vale foi a aquisição da produtora canadense de níquel Inco, em 2006. No ano anterior ao da operação, a companhia tinha 36.801 empregados, dos quais apenas 1,1% fora do Brasil. Em 2010, 20,7% dos 119.246 funcionários ¿ entre próprios e terceirizados permanentes ¿ estavam no exterior. A fatia das aplicações internacionais no volume total de investimentos também deu um salto entre 2005 e 2010. Passou de 10,2% (US$431 milhões) para 39% (US$4,956 bilhões).

Com a Inco, a companhia também passou a ostentar o título de segunda maior produtora mundial de níquel, além do já consagrado status de primeira produtora de minério de ferro no mundo. Um importante passo na diversificação dos negócios, embora as vendas de minério de ferro e pelotas ainda respondam por mais de 60% da receita da empresa. Até 2005, níquel e carvão não figuravam nos relatórios de produção da Vale. E os fertilizantes, segmento em que a empresa está investindo fortemente, representavam apenas 1% da receita. Em 2010, o percentual subiu para 3,8%.