Título: Justiça fast-food
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Fonte: O Globo, 11/03/2011, Opinião, p. 7

Apesar de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ser responsável por uniformizar a jurisprudência e garantir segurança jurídica, a Corte tem adotado ¿ e, pior, mantido ¿ posições jurídicas absolutamente divergentes.

É o caso, por exemplo, da discussão em que os consumidores questionam, desde o final da década de 1990, a validade de as concessionárias de energia elétrica repassarem nas contas de luz o ICMS calculado sobre as parcelas de "demanda", tarifa cobrada pela disponibilização de equipamentos da concessionária aos consumidores de alta potência, que asseguram a manutenção da rede elétrica mesmo nos picos de consumo.

O argumento dos consumidores é simples: tarifa de energia elétrica só pode ser composta por tributos que efetivamente incidem sobre o fornecimento de energia; como a "demanda" remunera a mera disponibilização de equipamentos (não o consumo), ela não sofre a incidência do ICMS; se não existe ICMS sobre a "demanda", tal tributo não pode ser incluído naquela tarifa. O que estava diretamente em jogo era a relação contratual entre consumidor e concessionária e a respectiva tarifa.

Após sucessivas vitórias dos consumidores, o STJ alterou seu entendimento e passou a dar ganho de causa às concessionárias. O mérito continuou favorável aos consumidores, mas o STJ passou a considerar as concessionárias como partes ilegítimas para serem rés das ações.

Como fundamento, o Tribunal afirma que os consumidores finais são contribuintes do ICMS, em razão de uma suposta substituição tributária, e que a relação jurídico-tributária acontece entre os consumidores e os Estados que arrecadam o ICMS, determinando que tais consumidores demandassem judicialmente diretamente contra os Estados.

Este entendimento é juridicamente absurdo. Não existe Lei prevendo tal substituição tributária. O consumidor não pratica o fato gerador do ICMS, e sim a concessionária. E estes fatos, à luz da legislação, evidenciam que contribuinte do ICMS é a concessionária de energia elétrica.

Há algo ainda mais absurdo, que reflete a atual postura do STJ de dar grande importância à velocidade dos julgamentos e pouca atenção à coerência de suas decisões, pois o Tribunal mantém posicionamentos distintos sobre a mesma matéria: a 1ª Turma entende que o consumidor é contribuinte do ICMS e deve ajuizar ação contra o Estado e não contra a concessionária; já a 2ª Turma considera que o consumidor não é contribuinte do ICMS e não pode ajuizar ação contra o Estado. A divergência é óbvia para todos. Menos para o STJ.

A 1ª Seção, órgão que congrega essas duas turmas do STJ, foi chamada a se manifestar sobre essa divergência, para garantir a segurança na posição da Corte. Porém, o Tribunal fugiu da discussão e, para não decidir, alegou, de forma pueril, que um acórdão (o da lide entre o consumidor e a concessionária) versava sobre legitimidade passiva (capacidade para ser réu), enquanto o outro (entre o consumidor e o Estado) dispunha sobre legitimidade ativa (capacidade para ser autor). Isso não é relevante para a divergência, mas, para o STJ, pouco importa.

Pouco importa que ambas as discussões pressuponham, necessariamente, a definição de quem é o contribuinte do ICMS e de quem compõe a relação jurídico-tributária; que ambos os julgados tenham interpretado os mesmos dispositivos legais; que haja uma divergência interna na Corte; e que a jurisprudência do Tribunal tenha um mínimo de coerência em suas decisões.

Lamentavelmente, o que parece importar atualmente para o STJ é unicamente a rapidez, ainda que em detrimento total da qualidade; é a Justiça fast food.

PEDRO AFONSO GUTIERREZ AVVAD e DIOGO FERRAZ são advogados.