Título: Caso renova debate sobre a segurança atômica
Autor: Sarmento, Claudia
Fonte: O Globo, 13/03/2011, O Mundo, p. 34

Para especialistas, acidente teria sido muito pior se ocorresse fora do Japão

RIO e SÃO PAULO. No maior acidente nuclear desde Chernobyl, há 25 anos, o estado de emergência decretado após a explosão na usina japonesa de Fukushima Daiichi renovou o debate sobre a segurança da energia atômica. Para o professor de engenharia nuclear da Coppe/UFRJ Aquilino Senra, a usina japonesa foi projetada para resistir a terremotos e tsunamis, mas o sistema de refrigeração auxiliar foi inundado pela água. A falha é inédita, assim como a explosão que pode ter rompido o sistema secundário de proteção do núcleo do reator.

¿ A energia nuclear sempre foi combatida. Um dos pontos de crítica é a questão da segurança, e o setor vinha dizendo que as usinas são cada vez mais seguras. No entanto, uma tragédia natural elevou riscos. Seria o mesmo que comprar um carro moderno, com airbag, e, justamente quando o veículo bate, o airbag não abrir ¿ disse o professor, criticando a falha no sistema de resfriamento da usina, cujo gerador a diesel falhou porque fora inundado.

Professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP e ex-secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo, José Goldemberg afirma que o acidente só não foi mais grave do que o de Chernobyl graças ao avanço tecnológico. De acordo com ele, a cápsula de aço que isola o reator evitou uma catástrofe. Essa proteção não existia há 25 anos em Chernobyl. A proteção secundária, uma construção em concreto, foi a que foi afetada pela explosão na usina ontem.

¿ Estamos diante de um grande acidente, o maior desde Chernobyl. Felizmente a tecnologia japonesa é superior. Se fosse num país menos desenvolvido, estaria tudo contaminado ¿ disse Goldemberg.

Para o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Odair Dias Gonçalves, os problemas enfrentados pelas usinas do Japão são eventos inusitados, que não abalam a segurança do setor. Ele lembra que ainda há muitas notícias desencontradas sobre o caso.

¿ Ainda não houve acidente nuclear, mas uma emergência ¿ disse Odair, que evita comparações com Chernobyl e diz acreditar que a situação seja controlada completamente.

Edson Kuramoto, presidente Associação Brasileira de Energia Nuclear, é ainda mais otimista e considera o Japão exemplo de resistência.

¿ Está acontecendo uma demostração de que os procedimentos adotados estão sendo acionados na hora certa. São 54 usinas no Japão, no caso específico dessas duas unidades, ocorreu a situação do diesel de emergência não ter entrado. Mas as usinas resisitiram.

Risco de Síndrome da China é descartado

Todas as preocupações agora estão voltadas para o resfriamento do reator, que ainda conta com a proteção do sistema primário, uma cúpula de aço. Mesmo após o desligamento, o calor precisa ser controlado por máquinas que usam energia elétrica. Por causa do terremoto, as redes de abastecimento de eletricidade foram danificadas. Deveria, então, entrar em ação o gerador movido a diesel. Mas a tsunami inundou a máquina, que não funcionou.

Falhas no resfriamento teriam sido as causas do vazamento radioativo e da explosão ocorrida na usina nuclear Fukushima Daiichi. Isso fez com que a área de exclusão aumentasse para 20 km. O governo usou água do mar e ácido bórico para controlar a temperatura da instalação. Cerca de 160 moradores da cidade de Futabamachi ¿ próxima ao local ¿ foram expostos à radiação. Eles estavam entre outros moradores que esperavam resgate por um helicóptero no momento do incidente, em uma escola próxima. Todos foram levados para um hospital da região.

Um superaquecimento pode desencadear um problema ainda maior, uma explosão interna, como explica a professora Alinka Lépine-Szily, do Departamento de Física Nuclear da USP.

¿ Existe um sistema de circulação interno para esfriar os nêutrons. Quando dizem que vão colocar água do mar para esfriar (o reator), não é para manter o processo, é para evitar explosão ¿ explicou Alinka.

Se o superaquecimento romper a proteção primária, o reator pode contaminar o meio ambiente, num grave acidente nuclear. Além disso, poderia ocorrer a chamada Síndrome da China, quando núcleo do reator derrete e entra em contato com a base de concreto da usina, gerando muito calor, que provocaria um grande buraco na crosta do planeta. Mas os especialistas descartam essa situação.