Título: À sombra do desastre nuclear
Autor: Sarmento, Claudia
Fonte: O Globo, 13/03/2011, O Mundo, p. 34

Após explosão e vazamento, outro reator é afetado e 210 mil pessoas são retiradas de Fukushima

Quando o pior parecia já ter passado ¿ depois do devastador terremoto de 8,9 graus e de uma tsunami que arrasaram o nordeste do país ¿ os japoneses enfrentaram ontem um novo horror: a ameaça de um desastre nuclear, expressão que tem um peso ainda maior para o único povo do planeta a ter sofrido os efeitos de uma bomba atômica. Enquanto o Japão ainda contava seus mortos ¿ há dez mil desaparecidos somente numa cidade da costa ao norte de Tóquio ¿ uma crise estourava na usina nuclear de Fukushima Daiichi, operada pela Tokyo Electric Power Co. (Tepco) em Okumamachi, a 270 quilômetros da capital. O governo confirmou uma explosão na estrutura de concreto em torno de um dos reatores, que deixou quatro feridos e chegou a provocar um vazamento radioativo.

Nas primeiras horas do dia, um novo alarme: a Agência de Segurança de Energia Nuclear do Japão anunciou problemas em outro dos seis reatores do complexo de Fukushima. O sistema de resfriamento do reator 3 também parou de funcionar completamente ¿ forçando a Tepco a preparar a liberação de vapor, numa tentativa de esfriar o equipamento.

Mais cedo, o porta-voz do governo, Yukio Edano, havia assegurado que a radiação provocada pela explosão do reator 1 foi pequena e não havia risco de contaminação ¿ embora as imagens de uma nuvem de fumaça branca cobrindo a usina varreram a sensação de segurança do país. Segundo a agência de segurança nuclear, até 160 pessoas poderiam ter sido expostas à radiação. Testes feitos por autoridades municipais indicaram que pelo menos nove indivíduos já apresentam sinais claros de exposição e foram levados a um hospital. A TV também mostrou muros derrubados no edifício que abriga o reator número 1. Estado de emergência foi decretado em cinco reatores do complexo de Fukushima.

Governo se prepara para distribuir iodo

Além de reviverem o pesadelo de Hiroshima e Nagasaki, a possibilidade de derretimento do reator fez os japoneses se verem diante da sombra de dois grandes desastres: Three Mile Island, em 1979, nos EUA; e Chernobyl, em 1986, na Ucrânia. Fukushima foi catalogado pelas autoridades como de categoria 4 na Escala Internacional de Eventos Nucleares (Ines, na sigla em inglês), cujo nível máximo é 7. Ou seja, foi considerado um ¿acidente com consequências de alcance local¿. Já é, portanto, o maior acidente nuclear da História desde Chernobyl, catalogado na categoria 7 (¿grave¿). Three Mile Island recebeu nível 5 (¿acidente com consequências de maior alcance¿).

Apesar de o governo japonês ter minimizado os riscos de uma catástrofe nuclear, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), da ONU, exigiu com urgência informações sobre a dimensão do acidente. Inicialmente, autoridades e executivos da Tepco garantiram que a explosão não ocorrera no interior do reator número um, nem afetara o contêiner de aço em que fica abrigado. Depois, a AIEA foi avisada que os níveis de radiação estavam diminuindo com o passar das horas.

A imprensa japonesa informou que, ao longo do sábado, o nível de radiação chegara a ficar mil vezes acima do padrão normal dentro da sala de controle do reator número um.

¿ Até agora não houve alteração nos índices de radiação, por isso pedimos que todos mantenham a calma ¿ disse Edano, numa declaração pouco esclarecedora.

Ao mesmo tempo, o governo confirmou estar se preparando para distribuir iodo ¿ usado para proteger o corpo de exposição radioativa ¿ aos moradores da região afetada pela explosão. Inicialmente delimitada a um raio de dez quilômetros, a área de retirada dos vizinhos de Fukushima foi ampliada para 20 quilômetros. Pelo menos 210 mil pessoas foram evacuadas.

Os problemas na unidade um começaram logo após o terremoto de sexta-feira. A usina foi desligada, mas o sistema de resfriamento do reator falhou, provocando um acúmulo de pressão e a consequente explosão. Especialistas consideraram a situação preocupante.

¿ Trata-se de um caso que tem potencial para se tornar uma catástrofe. É basicamente uma corrida contra o tempo, porque os operadores da usina não conseguiram resfriar o núcleo de pelo menos dois reatores ¿ disse Robert Alvarez, do Institute for Policy Studies em Washington.

A Tepco adiantou que planejava preencher o reator número um ¿ o mais problemático ¿ com água do mar para esfriá-lo e reduzir a pressão na unidade, uma operação que poderia durar várias horas. A NHK pôs no ar alertas pedindo aos moradores que deixassem as janelas fechadas. O Greenpeace em Tóquio, um dos grandes críticos das usinas nucleares japonesas, que já haviam sido atacadas antes pela falta de segurança, falou em vazamento de Césio 137.

¿ A situação está muito pouco clara, mas uma contaminação por Césio 137 representa um risco significativo à saúde. Foi um dos elementos que causaram o maior número de vítimas em Chernobyl porque pode permanecer no ambiente e na cadeia alimentar por até 300 anos ¿ disse Beth Herzfeld, porta-voz da ONG.

Embora a situação de resgate das vítimas seja dramática no norte do país, o problema em Fukushima acabou dominando o noticiário e a atenção da população japonesa, que se considerava preparada para o pior, já que terremotos são frequentes na região, e o governo investiu bilhões de dólares em tecnologia antissismo. Mas as usinas nucleares podem acabar se transformando na grande falha desse sistema de prevenção.