Título: Emagrecimento de alto risco
Autor: Marinho, Antônio
Fonte: O Globo, 13/03/2011, Saúde, p. 37

Dieta associada a injeções de hormônio da gravidez vira mania e pode matar

Abusca por fórmulas ditas milagrosas para emagrecer está levando mulheres e alguns homens a se injetarem hormônio de gravidez diante da promessa de perder pelo menos meio quilo por dia. Conhecida como dieta hCG, ela associa a aplicação diária de injeções de beta-hCG (sigla de gonadotrofina coriônica humana) ¿ liberado naturalmente na gravidez e receitado como fármaco em tratamento de infertilidade feminina ¿ à alimentação altamente restritiva: em média, 500 kcal/dia (quilocalorias). Esse programa de emagrecimento ganha cada vez mais adeptos nos Estados Unidos e até no Brasil, onde clientes o compram pela internet; mas pode causar sérios danos à saúde, como embolia.

Em forma de fármaco, o beta-hCG é receitado para estimular a ovulação em tratamento de pacientes com dificuldade de engravidar, e a ideia de usá-lo para perder quilos é antiga. O tratamento foi proposto pela primeira vez em 1954 pelo médico britânico W. Simeons, mas pesquisadores nunca encontraram evidências de que a substância atue no emagrecimento. Aqueles que defendem a dieta hCG afirmam que o hormônio ajuda a suportar os efeitos de uma alimentação quase anoréxica, que traz transtornos como dor de cabeça, problemas intestinais, fraqueza e irritabilidade.

Scott Blyer, um médico americano que oferece a dieta hCG, explica que a substância ¿engana o corpo, como se a pessoa estivesse grávida¿. Então o organismo ¿passa a queimar gordura para que o feto receba calorias suficientes, mas protege o músculo¿. Na tentativa de atrair mais clientes incautos, as clínicas que vendem o programa da dieta hCG dizem que esse tratamento queima a gordura nas áreas mais difíceis, como braços, barriga e coxas. A terapia dura de 25 a 40 dias, com a ¿garantia¿ de o paciente perder em torno de 20 quilos, ao custo de US$500 a US$1 mil por mês, incluindo consulta, suprimento de hormônio e as seringas.

Em cada etapa do programa (geralmente três) são 21 injeções. Há relatos de mulheres que perderam 11 quilos, ou mais, em 30 dias. E ainda existe a opção de aplicar o hCG em gotas, usada embaixo da língua, mas esta é uma forma menos divulgada. O americano Lionel Bissoon, com clínica em Nova York, cobra US$1.150 pelo tratamento da dieta hCG com injeções e afirma que ¿médicos de todo o país estão vendo pessoas perderem grande quantidade de peso com o programa, e não se pode ignorar isso¿.

Perigo de problemas cardiovasculares

A dieta começa com aplicações diárias de injeções hCG e no quarto dia o paciente começa a dieta restritiva. Uma brasileira que experimentou o tratamento contou num blog que, depois das injeções, saía para caminhar sob o sol, porque em contato com a radiação ultravioleta ¿o hCG prometia melhorar a pele, a libido e a fertilidade¿. Isto é, além de suportar a dieta de fome, ela acreditava que poderia ficar ativa sexualmente e com uma pele mais bonita. No almoço e jantar, tinha direito apenas a consumir 600 gramas: 200 gramas de proteína, 200 gramas de verduras e a mesma quantidade com frutas; sem variar, e tudo cozido, grelhado ou assado, só com sal. Pelo programa, ela não poderia usar condimentos nem alimentos gordurosos ¿ além, claro, de passar longe dos alimentos mais calóricos, como chocolate, pizza e sorvete. E nada de lanchinho nos intervalos. Ela também teria que evitar pintar o cabelo e não tomar corticoides, restrições para grávidas.

Só no fim do programa começa a fase de ¿reeducação alimentar¿. O endocrinologista Ricardo Meirelles, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), diz que estudos mostraram que o beta-hCG não contribui para a perda de peso total, nem para melhorar a distribuição de gordura.

¿ O médico americano fornece o hormônio em seu próprio consultório, prática inaceitável no Brasil e estritamente proibida pelo Código de Ética Médica. Já existiram por aqui clínicas que faziam o mesmo, mas não tenho ouvido falar nelas ¿ diz Meirelles.

Mesmo o FDA, o órgão americano que controla medicamentos e alimentos, alerta que ¿não está provado que o produto intensifique a perda de peso, que cause distribuição mais atraente de gordura ou reduza fome¿. E a instituição já recebeu relato sobre um paciente que faz a dieta hCG e sofreu uma embolia pulmonar. Mesmo assim, clínicas continuam oferecendo.

¿ Outra coisa que chama a atenção é que os médicos que vendem esse programa de dieta se propõem a tratar de pessoas que não preenchem os critérios de sobrepeso e obesidade, ou seja, que apresentem índice de massa corporal acima de 30 ¿ comenta Meirelles. ¿ Eles tratam de noivas interessadas em emagrecer para um casamento e mulheres com outras motivações desse tipo. Com a dieta que receitam, qualquer um emagrece. As injeções são placebo para motivar a adesão ao programa. Isto é antiético.

Efeito similar ao de um placebo

Também o endocrinologista Amélio de Godoy Matos, do Instituto de Endocrinologia e Diabetes do Estado do Rio (Iede), diz que a dieta hCG é ¿charlatanice¿ desde a década de 60 e acredita que no Brasil há clínicas oferecendo esse tratamento. Mas não há evidência de que ele funcione, tampouco alguma coerência no que afirmam os defensores desse tratamento.

¿ Nem se sabe o que esses médicos estão injetando em seus pacientes, pois a injeção é aplicada na própria clínica ou vendida pelos próprios interessados. Os riscos com esse tratamento podem ser altos se, de fato, for o hormônio beta-hCG, pois é um hormônio potente, que pode levar a formações de cistos nos ovários, aumentar a produção de testosterona e, com isso, virilizar, causar infertilidade, alteração das gorduras nos sangue e doença cardiovascular. O estranho é que o FDA não tenha até hoje punido esses médicos ¿ diz.

Também o endocrinologista Alfredo Halpern, professor da faculdade de Medicina da USP, alerta para o perigo da dieta hCG:

¿ Esse programa não tem qualquer base científica para ser aplicado. Infelizmente há pessoas que gastam dinheiro com isso ¿ critica Halpern. ¿ Os testes com as pessoas que usaram o hormônio hCG comparados a outro grupo com tratamento placebo mostraram que a perda de peso foi igual.

O que faz emagrecer, diz Halpern, é a dieta de 500, 600kcal, semelhante a de cardápios de spa.

¿ Qualquer pessoa perde peso em um programa tão restritivo assim. O hormônio hCG não emagrece ¿ garante.

* Com The New York Times. Colaborou Jaqueline Falcão, de São Paulo.

POSSÍVEL EFEITO: Segundo o endocrinologista Alfredo Halpern, a teoria de que a aplicação do hormônio hCG ajustaria a composição de gordura corporal e diminuiria o apetite não tem comprovação científica. A injeção de hormônio teria, em tese, dupla ação: queimaria a gordura em regiões como barriga e coxa e agiria no hipotálamo (área do cérebro que controla diversas funções como temperatura corporal, fome e sede), aumentando a saciedade.

MAUS RESULTADOS: Experiências com pessoas submetidas à dieta com o hormônio hCG comparadas a outros grupos que receberam placebo mostraram que a perda de peso foi igual. O paciente, ao injetar o hCG, pode sofrer estímulo da produção de testosterona. E entre as consequências estão o inchaço por retenção anormal de líquidos, ganho de peso, aumento na massa muscular, aparecimento de acne e cistos ovarianos. Segundo a FDA, o hormônio aumenta o risco de formação de coágulos, depressão, dor de cabeça e a sensibilidade e o volume das mamas. Pieter Cohen, professor da Escola de Medicina de Harvard, alerta que, além desses riscos, e nenhum benefício, o uso de hCG ¿manipula pessoas para lhes dar a impressão que elas estão recebendo algo eficaz, quando estão usando algo que não é melhor que um placebo.¿