Título: Sete usinas deixam o país em suspenso
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Fonte: O Globo, 14/03/2011, O Mundo, p. 20

Acatástrofe tripla - provocada pela destrutiva conjunção de terremoto, tsunamis e acidentes nucleares no Japão - foi resumida pelo primeiro-ministro Naoto Kan como "a crise mais grave vivida pelo país desde a Segunda Guerra Mundial". O número de mortos deve ultrapassar os dez mil. E não bastasse o registro de 250 tremores secundários desde a madrugada de sábado, a difícil busca por sobreviventes em cidades arrasadas, com 600 mil pessoas desalojadas, a ameaça de colapso de pelo menos dois reatores nucleares pôs o Japão - e o mundo - em estado de alerta máximo.

Ao todo, sete reatores apresentaram problemas e seis estão em estado de emergência. Na província de Fukushima, três reatores no complexo I (Daiichi) e três do complexo II (Daini) apresentaram falhas no sistema de resfriamento - assim como em Tokai, a apenas 120 quilômetros de Tóquio, onde uma bomba d"água responsável pelo sistema de resfriamento do reator número 2 parou de funcionar, levando ao acionamento de um gerador a diesel em caráter de emergência.

Enquanto engenheiros corriam contra o tempo para resfriar os reatores de Fukushima e Tokai, ontem, no complexo de Onagawa, na arrasada província de Miyagi, foram detectados níveis de radioatividade superiores aos permitidos. Num comunicado, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) informou que os três reatores de Onagawa estão sob controle, mas, atendendo à legislação japonesa, a empresa responsável pela planta, Tohoku Electric Power Company, decretou "primeiro estado de emergência" - o nível mais baixo - até que peritos identificassem a origem do problema.

A situação estava aparentemente controlada em Tokai; e, em Onawaga, especialistas minimizavam as alterações radioativas, creditadas às avarias sofridas em Fukushima, não muito longe dali. Hoje de manhã (hora local), o governo japonês chegou, inclusive, a avisar à AIEA que os níveis de radiação teriam voltado ao normal.

Radiação alta faz crescer risco de nova explosão

Mas, o discurso tranquilizador mudava rapidamente com os relatos sobre a situação no complexo de Fukushima, onde o desafio era impedir que os dois reatores mais danificados - o 1 e o 3 - derretessem. As tentativas de resfriar as máquinas com a ajuda de água do mar, no entanto, sofreram um revés devido ao mau funcionamento de uma válvula, provocando um aumento da pressão. Os atrasos na normalização das usinas levantaram rumores de que já haveria um derretimento parcial das máquinas - o que não foi confirmado oficialmente. Autoridades, no entanto, alertaram para os riscos cada vez maiores de uma nova explosão - sobretudo devido ao aumento da radiação nos arredores, como indicou a primeira checagem de hoje.

Segundo Naoki Kumagai, da Agência de Segurança Industrial do Japão, os níveis de radiação estão acima do permitido no local - mas nada que provoque pânico. O funcionário reconheceu, entretanto, que esse aumento pode ocorrer se o reator estiver à beira do derretimento.

A imprensa japonesa calcula em cerca de 190 o número de pessoas atingidas pelos altos níveis de radiação, e nove já foram internadas. O governo multiplicou o número de equipes de resgate - inicialmente formadas por 50 mil homens - e conta com a ajuda de 70 países. Mesmo assim, a dificuldade de acesso às províncias mais atingidas no litoral norte tornam cada vez mais escassas as chances de encontrar sobreviventes. Há 1.500 mortes confirmadas, mas esse número pode ultrapassar os 10 mil, segundo estimativas da polícia.

Segundo as Nações Unidas, 380 mil pessoas foram evacuadas nas áreas mais afetadas pelas tsunamis, e o alerta nuclear nos arredores de Fukushima levou ao deslocamento de outras 210 mil. Quem ignorou as ordens de retirada devido às catástrofes naturais, acabou se vendo fora de casa pela ameaça atômica, como Kumiko Fukaya, moradora de Koriyama, a cerca de 20 quilômetros da usina de Fukushima.

- Pensei em ficar quando ouvi o alarme às 7h30m de sábado. Fui enganada pelo falso senso de segurança causado pela ausência de acidentes no complexo. Toda a cidade enriqueceu (com a usina). Achava que tinham escolhido um lugar seguro para isso, então em vez de me opor, eu era favorável. Agora vejo que é assustador - contou ela, abrigada com a família e outros 70 refugiados no ginásio de uma escola.

Enquanto milhares torcem para que a tecnologia contenha a ameaça nuclear, a Agência Meteorológica do Japão advertiu para o risco de novos tremores de grande magnitude no país. O alarmismo fez dezenas de países europeus, além de EUA e até vizinhos asiáticos pedirem a seus cidadãos que evitem viajar ao Japão.