Título: Debate essencial
Autor: Barbosa, Nivaldo
Fonte: O Globo, 15/03/2011, Opinião, p. 7

Há ampla consciência no País: não dá para continuar com o atual processo eleitoral e partidário, pois as mazelas da política decorrem dos vícios nas eleições e nos partidos.

Os partidos organizam-se da maneira que querem, como ação entre amigos, como sociedade civil (erro da Constituição), sem prática democrática. Seus estatutos dão poderes absolutos aos seus dirigentes. A verba pública do fundo partidário e as regalias do rádio e televisão tornaram-nos atrativos patrimoniais. É preciso alterar a Constituição e a lei para impor aos partidos eleição direta pelos filiados de seus presidentes municipal, estadual e nacional (como bem já vem fazendo o PT); reuniões regulares de seus órgãos; direito de participação nos órgãos diretivos, nos programas de rádio/televisão e no fundo partidário, proporcionalmente, a cada grupo que alcançar um mínimo de 10% de apoio partidário; vedar mais de duas reeleições de dirigentes, com mandato máximo de dois anos, dentre outras medidas.

O processo eleitoral atual, adotado no Brasil e apenas em dois ou três países, com variações, tornou as eleições regadas a dinheiro. O voto proporcional puro levou as campanhas a serem feitas em todo o Estado. As campanhas desenrolam-se sem dignidade, sem caráter. Mas este sistema proporcional tem a virtude de garantir espaço às correntes de opinião minoritárias que alcancem um resultado mínimo.

Poderíamos acolher soluções exitosas já adotadas em outros países. O voto distrital traz as vantagens para a campanha localizada, com redução substancial dos gastos e unidade do partido. O eleitor passará a lembrar em quem votou. Poderá cobrar melhor. O eleito ficará mais próximo da população de sua área. Carrega o defeito de cercear espaços às minorias e tornar o voto mais paroquial, menos menos ideológico.

O mais adequado seria combinar o voto distrital com o voto proporcional, fazendo o sistema ser misto: metade das cadeiras pelos distritos e metade pelas listas dos partidos, em proporção aos votos que a legenda obtiver, como hoje, mais o percentual que seus candidatos obtiverem nos distritos. Para evitar as ditaduras partidárias, deve-se conferir a escolha da lista aos filiados do partido, que votarão em apenas um candidato cada um, e a ordem será estabelecida pelo resultado desta votação. Medidas correlatas são necessáriaspara garantir espaços às minorias e manter o nível político do debate.

A alegada dificuldade de delimitar o distrito (De Gaulle usou muito do expediente de alterar os distritos para dificultar a esquerda) inexiste, pois o eleitorado já é dividido em zonas eleitorais. Basta somar as zonas vizinhas para obter-se o número aproximado dos eleitores de cada distrito. O distrito corresponderá à divisão do eleitorado pela metade das vagas em disputa. O defeito maior apontado para o voto na lista, que é o eleitor não poder escolher o candidato ou votar em um e eleger outro, como agora (é de se observar que a atual Câmara recebeu o voto apenas de 13% dos eleitores ¿ a grande maioria votou em outros candidatos para, no final, eleger os atuais deputados), deixará de existir, pois o eleitor levará em conta ao mesmo tempo o candidato do distrito e os primeiros nomes da lista do partido. O eleitor levará em conta causas que o partido defende, a postura de suas direções e representações parlamentares e nas prefeituras, governos estaduais e na Presidência, as ações de seus militantes nas comunidades, nos sindicatos, em outras entidades e até em suas atitudes de vizinhança e como companheiros de trabalho.

A proposta para adoção do ¿Distritão¿, transformar o Estado em um distrito, implantar o sistema majoritário e suprimir o proporcional, mantém os vícios e defeitos do atual sistema e os agrava. Os candidatos ficarão ainda mais distantes dos partidos, as campanhas serão ainda mais caras, as eleições ainda mais regadas a dinheiro. As personalidades artísticas ou desportivas, que a proposta quer afastar, serão mais atraídas, pois dependerão exclusivamente de seu desempenho, independentemente do desempenho de seu partido. O sistema proporcional leva a que os grupos representados pelos partidos se apresentem em conjunto perante o eleitorado, como um corpo de ideias e de mensagens (no suposto que os partidos sejam sérios). O sistema político distrital/proporcional oferece mais virtudes e menos defeitos .

VIVALDO BARBOSA foi deputado federal, pelo PDT.