Título: Antiga cracolândia no roteiro da visita
Autor: Werneck, Antônio ; Araújo, Vera
Fonte: O Globo, 17/03/2011, O País, p. 4

A troca e a pintura de gradis do campinho de futebol de terra batida da Rua José de Arimateia, na Cidade de Deus, mostra que ali foi o local escolhido pelo serviço secreto do presidente Barack Obama para o seu primeiro contato com uma favela carioca. O que os agentes não sabem é que no lugar, antes da instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do bairro, há dois anos, funcionava a cracolândia da Cidade de Deus.

Antes da pacificação da comunidade, garotos jogavam bola durante o dia mas, à noite, usuários de crack compravam a droga na favela e consumiam no campinho. Moradores mais antigos contam que, muitas vezes, completamente alucinados, jovens e até crianças drogados ficavam por ali mesmo. Incomodadas com o movimento, algumas pessoas chegaram a escrever nas paredes de um vestiário em ruínas, que hoje não existe mais, a frase: "Não usa aqui não".

O uso do campo por viciados em drogas virou uma cena do passado, e os vestígios da cracolândia desapareceram com o tempo. A UPP e a própria prefeitura estão tratando de apagar as marcas do tráfico. Ontem, a Coordenadoria Geral de Conservação da Prefeitura do Rio inspecionava os serviços de reforma e limpeza do campinho e do entorno, para que nada fique desarrumado durante a visita do chefe de Estado americano.

Enquanto os operários trabalhavam, um grupo de meninos jogava uma pelada no campo, alheios à visita do presidente americano.

- Obama? É aquele dos Estados Unidos? - perguntava Ronald Oliveira, de 9 anos, aluno da quarta série de uma escola municipal.

Outro menino, mais velho, que não quis dar o nome, interrompeu Ronald:

- É o presidente dos Estados Unidos. Tem que pedir dinheiro para ele em dólar. Tem que falar em inglês - completou o garoto.

A coordenadora do Centro de Referência da Juventude, Adineia Magalhães, unidade do estado que oferece oficinas às crianças e aos adolescentes da favela, pretende ensaiar 30 crianças para recepcionar Obama. Na opinião dela, a visita do presidente americano será importante no aprendizado das crianças, que não o conhecem:

- Faremos uma produção com grafite e desenhos feitos por 30 crianças, em homenagem ao Obama. Será um presente da comunidade para ele.

A indefinição sobre o que poderá funcionar nas proximidades do evento está deixando os comerciantes apreensivos. Dono de um bar, José Alexandre de Souza não sabe se reforça o estoque de bebidas para os visitantes de ocasião:

- A gente não sabe o que vai acontecer direito. Tenho medo de investir e proibirem que eu abra o meu comércio - comentou Alexandre.

Elisângela Alves, que vende pastéis e bolinho de aipim num trailer, a cerca de 30 metros do campinho onde o presidente vai ficar, também ainda não decidiu se irá abrir no domingo, dia da visita:

- Só sei de uma coisa: quero que ele me contrate como cozinheira dele na Casa Branca, isso se o salário valer a pena. Se eu conseguir chegar perto dele vou oferecer o meu bolinho de aipim - brincou Elisângela.