Título: O projeto democrata-liberal
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Fonte: O Globo, 17/03/2011, Opinião, p. 6
Com origem na costela partidária do regime militar, Arena/PDS, o DEM tenta uma metamorfose que pode ser decisiva - para o bem ou o mal. É certeira a percepção - nada inédita - que falta um canal de representação político-partidária do pensamento liberal no país. Nada a ver com "conservador", pois também nem todo progressista é de "esquerda".
Egressos da Arena e do PDS se juntaram a frações menos radicais da frente criada para resistir à ditadura e fundaram o PP, com a liderança de Tancredo Neves, símbolo da moderação que presidiu as negociações com os militares, a fim de ser executada uma bem-sucedida transição sem traumas para a democracia. Inútil especular se a morte prematura de Tancredo inviabilizou a conversão do PP - absorvido pelo PMDB - e descendentes (PFL e DEM) numa forte base de defesa de um projeto verdadeiramente democrata-liberal para o Brasil. Certo é que o código genético de uma social-democracia mal digerida, com fortes traços de dirigismo, intervencionismo estatizante e burocrático destilados no Leste da Europa, foi inoculado na Constituição do restabelecimento da democracia, promulgada em 88. Um ano depois ruiria o Muro de Berlim, marco do desmoronamento de um modelo que pairou como fonte de inspiração sobre boa parte dos constituintes de 87.
O resultado é sabido e sentido no bolso: um Estado paquidérmico, cujas contas são pagas por um contribuinte já além da sua capacidade de financiar este Pai Grande insaciável. Credite-se a este modelo uma carga tributária de 35% do PIB, a mais alta entre os países emergentes, e uma das mais escorchantes do mundo, se considerarmos a péssima qualidade dos serviços prestados, em troca, à sociedade. Também deriva do modelo um perfil de gasto público excessivamente comprometido com o pagamento de aposentadorias, pensões e bolsas assistenciais. Pouco sobra para investir no futuro do país.
É provável que esta contingência histórica tenha se somado ao fato de o PFL ter sido o atracadouro de coronéis da velha política clientelista/fisiológica brasileira para inviabilizar um voo autônomo do partido. Que se transformou em satélite desta social-democracia tupiniquim, num braço menor do PSDB, face da moeda no outro lado da qual está o PT. Os partidos se revezam no poder, em Brasília, há 16 anos.
São Paulo é o palco regional em que mais fica evidente a dificuldade de uma terceira força se impor diante de tucanos e petistas. Os tucanos têm sido quase hegemônicos no estado e, em menor escala, na capital. Neste cenário é que o prefeito demista Gilberto Kassab resolve saltar do barco em busca de um projeto eleitoral próprio. E assim agrava a crise no DEM, saído das eleições do ano passado com sérias avarias na bancada.
É hora mesmo de o partido deitar no divã em busca de uma personalidade definida. Difícil missão a do novo presidente da legenda, senador Agripino Maia (RN). Até porque o nome da crise demista não é Kassab, mas a falta de um projeto próprio. Mas é esta crise que dá chances ao DEM de sair da quase irrelevância e afinal assumir um discurso liberal - no sentido sério da palavra - contra a obesidade do Estado, o intervencionismo obsceno no cotidiano da sociedade e uma carga de impostos que trava o próprio desenvolvimento. A ver se os quadros demistas serão capazes de dar o salto.