Título: A lógica do absurdo
Autor: Giambiagi, Fábio
Fonte: O Globo, 17/03/2011, Opinião, p. 7
"Eu quisera, nos meus antagonistas, ao menos lógica na ligação entre suas premissas e as suas conclusões" Rui Barbosa, em discurso no Senado, 3/11/1891
No mês passado, tivemos um debate intenso entre os críticos e os defensores da proposta oficial de fixar o salário mínimo em R$545. O "pacote" completo da política do Governo para essa variável inclui o aumento real do mínimo, de 2012 até 2015, em função do PIB defasado de dois anos, o que significa que ano que vem o referido valor, além de ser corrigido pela inflação, terá um incremento real de 7,5 %, devido ao dinamismo da economia em 2010.
Na ocasião, aqueles que se opunham a um aumento do mínimo para R$560 apresentaram uma série de argumentos em favor da posição que o governo manteve desde o início. Entre os argumentos utilizados, havia dois que se destacaram:
a) O de que a magnitude do aumento pretendido pela oposição e pelas centrais sindicais injetaria fortes pressões inflacionárias na economia e agravaria o déficit público, que, nunca é demais lembrar, deverá ser em 2011 (ano, a princípio, de ajuste) maior que em 2010; e
b) O de que a aprovação dos R$545 evitaria uma alta maior dos juros e abriria caminho para uma possível redução da taxa Selic, até o final do ano.
Deixemos de lado a posição das centrais sindicais, que têm problemas crônicos para fazer uma avaliação do tema olhando para suas diversas facetas, e deixemos de lado também a atitude da oposição, cujos zigue-zagues em torno da questão fiscal são flagrantes e não isentos de oportunismo. Vamos nos concentrar no discurso oficial, que é o único que conta, uma vez que as centrais sindicais mostraram que são muito menos fortes do que elas querem fazer crer, e dado que as oposições, como se viu no episódio, são irrelevantes no Congresso quando o governo se une.
Esclareço, antes de continuar, para que não haja margem para dúvidas, que fui totalmente favorável à posição do governo no que se refere à política a ser adotada para este ano. Entendo, apenas, que se perdeu uma excelente oportunidade - no começo do governo e com a legitimidade associada à votação recebida nas urnas - para travar uma discussão profunda acerca da questão. Perguntas como "o que o país pretende com a política do salário mínimo?", "até quando quem contribuiu 35 anos para a aposentadoria vai ganhar a mesma coisa que aquele que nunca contribuiu?" ou "até que ponto a relação entre o teto e o piso previdenciário vai continuar caindo?" passaram a léguas de distância do Congresso.
Pior ainda. Não apenas as questões efetivamente relevantes foram ignoradas no ambiente de Fla-Flu que cercou o tratamento da matéria, como para o governo o feitiço irá virar contra o feiticeiro ano que vem. Ou seja, o governo foi de uma competência política notável no episódio (deu um "show de bola" diante de uma oposição atordoada), mas a argumentação econômica foi de uma precariedade extrema.
Por quê? Não é difícil de explicar. Lembremos que o aumento real seria nulo este ano e, como já foi dito, de 7,5% ano que vem. Ora, como é possível que um aumento real de menos de 3% (R$560 versus 545) fosse inflacionário e causasse problemas fiscais dramáticos este ano e um aumento real da ordem de 8% não cause nenhum problema ano que vem? Na verdade, sem perceber, o Governo explicou por A mais B exatamente por que a regra que ele mesmo propôs para o futuro vai trazer problemas sérios em 2012, a saber:
i) Pressão sobre a inflação, depois de dois anos em que ela ficará muito acima da meta; e,
ii) Um aumento enorme do gasto público, isso depois de o déficit público ter sido maior em 2011 que em 2010.
Como é possível defender uma política para, em nome do controle do gasto, evitar um maior aumento dos juros e supostamente favorecer a redução deles depois do último trimestre do ano, quando essa mesma política vai aumentar muito mais o gasto em 2012, dificultando seriamente a tarefa do Banco Central de trazer a inflação finalmente para a meta ano que vem? A única lógica presente nisso tudo é a lógica do absurdo. O leitor pode ter certeza de uma coisa: as decisões de 2011 não ajudarão em nada a 2012.
FÁBIO GIAMBIAGI é economista.