Título: Cerco aos abusos
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 20/07/2009, Brasil, p. 6

Presidente deve sancionar em agosto projeto de lei que endurece penas para crimes sexuais contra crianças

Luciana (nome fictício) foi violentada pelo tio em 1993, no Maranhão, mas agressor ficou pouco tempo preso

A partir de agosto, o Brasil terá legislação mais rígida para punir pessoas que praticarem crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Uma das alterações mais polêmicas na lei diz respeito à extensão da pena de reclusão, que vai de quatro a 10 anos, aos que mantiverem sexo ou ato libidinoso com jovens menores de 18 anos que se encontrem em situação de prostituição. Hoje, a punição é válida apenas para quem submeter, induzir ou atrair meninas e meninos a essa prática. A aprovação do Projeto de Lei nº 253/04 pelo plenário do Senado na última quinta-feira é uma resposta ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em 15 de junho, absolveu o ex-atleta José Luiz Barbosa, também conhecido como Zequinha Barbosa, e seu assessor Luiz Otávio Flores da Anunciação do crime de exploração sexual contra três garotas de programa, de 12, 13 e 15 anos.

Conhecida por seu trabalho em defesa das crianças e adolescentes, a senadora Patrícia Saboya (PDT-CE) comemora a aprovação do projeto. ¿Espero que a Justiça brasileira entenda o clamor de tantas vozes de famílias e crianças que sofrem com o drama da violência sexual e esperam ser ouvidas¿, afirma a parlamentar, presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Exploração Sexual, que atuou no Congresso Nacional de junho de 2003 a julho de 2004. Na opinião de Patrícia, a decisão dos ministros que absolveu Barbosa foi ¿absurda, revoltante e retrógrada¿, pelo fato de o tribunal entender que ¿as adolescentes eram garotas de programa, já que estavam num ponto de ônibus e cobraram de R$ 60 a R$ 80 para ficar com o ex-atleta e o assessor.¿ ¿Foi um ato baseado em uma lógica machista¿, critica.

A punição às pessoas que contratam jovens com idade inferior a 18 anos para serviços sexuais, segundo a senadora, é uma mudança importante na lei. ¿Atualmente, a tipificação dessa conduta só existe no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Nossa proposta, porém, vai além do que está previsto no estatuto, deixando bem claro que a punição deve se estender a toda a rede que explora sexualmente crianças e adolescentes, inclusive ao cliente¿, observa.

Estupro Pela nova legislação, que deve ser sancionada na primeira semana de agosto pela Presidência da República, além da conjunção carnal, os atos libidinosos também serão incluídos no crime de estupro. A proposição também passa a considerar vítimas da prática tanto homens quanto mulheres, com a união dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor. A lei a ser assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém a pena atual de seis a 10 anos para quem cometer o delito. Caso haja conclusão de que houve lesão corporal, a punição passa para de oito a 12 anos. Em caso de morte, o autor pode pegar pena de reclusão de 12 a 30 anos.

Secretária-executiva do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, Neide Castanha aprova a iniciativa. ¿A nova lei cria conceitos para explicar o crime contra os meninos e meninas vítimas de violência sexual. Assim, o crime não é mais contra os costumes, e sim contra as pessoas¿, diz.

Inocência perdida

Aos sete anos de idade, Luciana*, hoje com 23, foi vítima de violência sexual praticada pelo próprio tio em Coroatá (MA). Hoje, a jovem fala com resignação sobre o assunto. ¿Foram umas oito vezes, mas ainda lembro como se fosse hoje. Outro tio presenciou e denunciou. Depois, ele foi para a cadeia, mas não ficou muito tempo. Só voltou para lá porque matou um homem¿, conta a jovem, que hoje vive em um abrigo na Asa Norte.

A aprovação da nova legislação pode não ser suficiente para evitar situações como a que ocorreu a Luciana. Mas prevê punição rigorosa para os agressores. Entretanto, segundo Ariel Alves, integrante da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pouco adianta ter penas longas se não há condenação. ¿Todas as comarcas precisam ter varas especializadas e exclusivas da infância e juventude, assim como delegacias dedicadas à criança e adolescente, além de conselhos tutelares bem estruturados. Sem essas medidas, as mudanças legislativas, ainda que fundamentais, resultam em ilusão e frustração, consagrando a impunidade.¿

* Nome fictício em respeito ao estatuto da criança e do adolescente

Palavra do especialista

¿A aprovação do PLS 253/2004 pelo plenário do Senado reafirma a importância da CPMI da Exploração Sexual, realizada em 2003 e 2004, uma vez que o projeto de lei teve origem nessa comissão. A nova lei oferece à sociedade um valoroso reforço para o enfrentamento dos aviltantes crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. Ao tornar os crimes sexuais ação penal incondicional, o PLS abre possibilidades para o Ministério Público representar os crimes independentemente da iniciativa de pais e responsáveis. A redefinição do conceito de estupro como ocorrendo contra a `pessoa¿ oferece instrumentos legais para a luta contra a silenciada violência sexual cometida contra crianças e adolescentes do sexo masculino. E possibilita a utilização de penas mais rígidas para a punição de crimes sexuais. Embora, pessoalmente, seja favorável ao movimento das penas alternativas, pode dar poder à sociedade na coibição desse tipo de crime, uma vez que sua recorrência é, em grande medida, motivada pela impunidade. Contudo, nosso ato celebratório deve vir acompanhado de estratégias políticas mais eficazes para garantir a implementação dessa nova lei que atualiza o Código Penal aos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).¿

Benedito Rodrigues dos Santos, secretário-executivo do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)

Povo fala

Você concorda com a pena de reclusão de até 10 anos para quem manter relação sexual com menores de 18 anos que se encontrem em situação de prostituição, mesmo que haja consentimento? Fotos: Rafael Ohana/CB/D.A Press

Mateus Santos, 13 anos, estudante de Belo Horizonte (MG) ¿Não. Em primeiro lugar, acho que, em vez de vender o corpo, a pessoa deveria se esforçar para procurar um trabalho honesto. Desde que a garota concorde em fazer sexo, não vejo motivo para condenar quem pagou pelo serviço.¿

Marinalva Lemos, 55 anos, dona de casa de Campo Grande (MS) ¿Se for realmente comprovado que houve consentimento na consumaçã do ato sexual, não acho certo condenar a pessoa que contratou a prostituta, mesmo sendo menor de 18 anos. Aprovo a punição e prisão somente em casos de estupro e de violência contra a mulher.¿

Fábio Lemos, 28 anos, militar de Dourados (MS) ¿Concordo com a nova lei. A partir do momento em que você contrata uma prostituta, mesmo sem saber a idade correta dela, deve assumir todas as responsabilidades por seus atos, inclusive com a pena de reclusão. A prostituição é um mal social que devemos combater em todas as frentes.¿

Alahn Sepúlveda, 20 anos, universitário de Brasília ¿Não acho certo, porque algumas jovens podem mentir a idade para conseguir fazer programas sexuais. Sendo assim, podem prejudicar as pessoas que as contrataram, que não saberiam se elas têm mais de 18 anos.¿

Carlos Bravo, 18 anos, universitário de Brasília ¿Não. Pelo simples fato de que essas garotas podem mentir a idade e prejudicar as pessoas que praticaram sexo com elas. Essas meninas ainda podem usar essa lei para obter vantagens financeiras de seus clientes. O Brasil deveria ser como a Colômbia, onde as prostitutas apresentam uma carteira com todos os dados pessoais.¿

Bruna Angélica, 20 anos, caixa de Planaltina (GO) ¿De jeito nenhum. Essas garotas têm consciência que não são `donas de seus narizes¿, mas fazem o que querem. Por isso, não acho certo uma pessoa ser presa porque contratou os serviços de uma prostituta, mesmo que ela tenha idade inferior a 18 anos. Não acho impossível elas usarem a lei para fazer chantagem com os clientes.¿