Título: Japão e o mundo numa tragédia histórica
Autor:
Fonte: O Globo, 18/03/2011, Opinião, p. 6

Oconjunto de um terremoto jamais registrado no país, um maremoto de dimensões bíblicas e um grave acidente nuclear faz do Japão cenário para além da ficção científica e dos roteiros do cinema-catástrofe. Chocado, o mundo literalmente assiste, pelos meios digitais de informações instantâneas, ao desenrolar de um dos maiores dramas em várias gerações, com desdobramentos globais. O impacto de proporções planetárias não se dá apenas pelo risco de partículas radioativas serem levadas pelo vento do complexo de usinas de Fukushima, Norte da ilha, para outras regiões, mas também pelos reflexos em sistemas produtivos mundo afora. Já era possível encontrar, ontem, na internet, simulações da provável rota de nuvens radioativas em direção aos Estados Unidos e Canadá, enquanto circulavam informações sobre o temor crescente de russos e chineses. E já começaram a ricochetear impactos em diversos complexos produtivos causados pela abrupta ruptura de várias cadeias de suprimento de componentes abastecidas por fábricas japonesas. Num estágio avançado de globalização, a paralisação de fábricas, e a desativação, total ou parcial, não se sabe por quanto tempo, de aeroportos e portos rompem fluxos de remessas de insumos e componentes de toda ordem. Há vários exemplos de linhas de montagens que já se preparam para enfrentar dificuldades. Há extensas linhas de produtos eletrônicos ? tablets, como o iPad, smartphones, televisores, monitores de computadores em geral, por exemplo ? dependentes de fábricas japonesas. Na indústria automobilística, há casos insuspeitados. Dois deles: a transmissão do Volt, carro elétrico da GM, é produzida no Japão, assim como caixas de câmbio de modelos BMW. O problema se agrava diante do método, criado no Japão e exportado para o mundo, de se manter o mínimo de componentes e insumos em estoque, como medida de economia. Por sobre tudo paira o drama humano, numa tragédia com ainda 9 mil desaparecidos, 5.200 mortos, número que pode chegar a 15 mil, de acordo com informação de ontem do site do jornal inglês "Guardian". Para tornar ainda mais complexo o quadro, falta uma liderança política firme no Japão para conduzir as buscas, a luta para domar reatores e gerenciar a reconstrução. Naoto Kan, primeiro-ministro, é o quarto a assumir o cargo em quatro anos. Tem baixa popularidade, é do Partido Democrático, sucessor do Partido LIberal Democrata, que se manteve 50 anos no poder. Kan, por óbvio, não tem a máquina burocrática nas mãos. A cultura japonesa não favorece a transparência. Há falta de informações claras e completas ? tanto que o alarme nuclear tem sido acionado por autoridades americanas, não japonesas. A gravidade da situação levou o imperador Akihito a uma das raras aparições na TV, para confortar e estimular o povo. Nada além. Uma nação conhecida pela disciplina e a forma estoica com que enfrenta dramas naturais ou não ? vide Hiroshima e Nagasaki ? encontra-se em teste e merece toda a solidariedade. Quem sabe desta crise histórica a comunidade internacional não retira uma lição de humildade e unidade diante de assuntos impossíveis de serem manejados de forma isolada? Como a própria energia nuclear, agora em xeque, e uma das peças na montagem da solução global para o aquecimento do clima.