Título: Especialistas elogiam tom pragmático de Dilma
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 21/03/2011, O País, p. 15

Para cientista político, presidente brasileira deixou de lado discurso ideológico durante encontro com Obama

SÃO PAULO. Sai a ideologia, entra o pragmatismo. Para o cientista político David Fleischer, da UnB, o encontro dos presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama denota mudança no estilo das relações internacionais do Brasil. Diferentemente do antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma deixou de lado o discurso ideológico e com emoção para citar reivindicações brasileiras.

- Dilma foi mais pragmática. Falou das barreiras à exportação brasileira e do Conselho de Segurança da ONU. Não fez um discurso ideológico - disse o especialista, para quem Dilma deverá imprimir tom mais prático e gerencial à política internacional.

Americano radicado no Brasil, Fleischer avaliou que o tom pragmático da presidente não trará resultados imediatos nas relações comerciais nem na reivindicação brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança.

- Obama disse ter "apreço" pela candidatura brasileira, mas tem mais apreço pela Índia.

A mudança na política internacional, segundo ele, já teria sido demonstrada quando Dilma criticou o tratamento dispensado aos direitos humanos pelo Irã. Na gestão passada, Lula aproximou-se do presidente Mahmoud Ahmadinejad e recebeu críticas internacionais.

- Dilma fez discurso forte contra o apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani, mas sua política internacional não será completamente diferente da de Lula. Uma coisa é criticar o Irã, outra é mudar as relações com Venezuela, Bolívia ou China - disse Fleischer, lembrando que o presidente venezuelano Hugo Chávez, crítico atroz dos EUA, visitará o Brasil mês que vem e que Dilma irá à China.

"A política permanece a mesma no "atacado""

Para o historiador Marco Antonio Villa, da UFSCar, a mudança de estilo na diplomacia brasileira é apenas aparente:

- Não vejo diferença. Pode-se dizer que a política muda no "varejo", mas permanece a mesma no "atacado".

Villa citou como exemplo a abstenção do Brasil sobre a zona de exclusão aérea da Líbia, país que começou a ser atacado por países aliados, como Estados Unidos e França, para conter o ditador Muamar Kadafi:

- Foi uma votação importante, e a abstenção do Brasil é um ato pró-Kadafi.

Para Fleischer, o Brasil posicionou-se com os Brics, que têm criticado a intervenção militar na Líbia não necessariamente por apoiarem Kadafi.

Fleischer disse ainda que tanto o Brasil como os Estados Unidos perderam a oportunidade de fazer o "grande acordo": pôr fim à bitributação dos recursos que migram de um país para o outro. O maior obstáculo seria a Receita Federal, que teme perder arrecadação com a queda de impostos sobre os recursos americanos investidos no Brasil.

O presidente da Unica (União da Indústria de Cana de Açúcar), Marcos Jank, afirmou que, embora não tenha selado acordos diretos sobre a bitributação ou as barreiras comerciais, a visita de Obama é "mais um passo" na briga dos usineiros com os americanos para derrubar a tarifação sobre o etanol brasileiro.