Título: Palácio de Kadafi é atingido
Autor:
Fonte: O Globo, 21/03/2011, O Mundo, p. 32

Míssil destrói prédio de QG em Trípoli que continha arsenal militar. Ditador promete guerra longa

TRÍPOLI

As forças da coalizão internacional intensificaram ontem a ação contra alvos militares na Líbia, dessa vez usando também aviões americanos e britânicos e se concentrando principalmente na capital, Trípoli, de onde Muamar Kadafi comanda a ofensiva contra os rebeldes. Um edifício de quatro andares no complexo do palácio Bab al-Aziziyah - onde vive Kadafi -, a 50 metros da tenda onde o ditador recebe seus convidados, foi totalmente destruído por um míssil. Segundo um alto funcionário americano, o prédio abrigava arsenal militar, e nem o ditador nem sua residência eram alvos. Assim como já havia ocorrido na madrugada de ontem, as forças leais ao regime responderam à chuva de mísseis e bombas com pesada artilharia antiaérea, iluminando o céu de Trípoli com os riscos formados por munição traçante. Os EUA disseram que a ofensiva da véspera fora bem-sucedida, "degradando sensivelmente a defesa aérea" do regime, mas lembraram que muito precisava ser feito, e por isso era impossível prever o fim da operação. Diante da nova ofensiva da operação Odisseia da Alvorada, Kadafi voltou a desafiar as forças aliadas, prometendo uma guerra longa e atacando Misurata.

Com a ação concentrada sobretudo em Trípoli, e a destruição do edifício no complexo governamental, o diretor do Estado-Maior americano, Bill Gortney, se viu obrigado a negar que o ditador esteja entre os alvos da operação. A afirmação de Gortney vai no sentido inverso de declarações mais agressivas já feitas tanto pelo premier britânico, David Cameron, quanto pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy. Analistas já especulavam que a coalizão escolheu uma estratégia na qual criaria um ambiente favorável à sublevação dos líbios, que por sua vez derrubariam o ditador. O Pentágono também afirmou que não há evidências de vítimas civis após os ataques, contrariando a versão do governo líbio, que estima o número em 64 civis mortos. Um porta-voz dos rebeldes disse ainda que há 8 mil mortos desde o início dos conflitos, há um mês.

As forças de coalizão - que até a véspera incluíam EUA, Reino Unido, França, Canadá e Itália - ganharam o reforço de Qatar, com quatro aviões, e Bélgica. A própria Itália, que de início havia cedido apenas suas bases aéreas, anunciou que participaria "de igual para igual" na operação, com oito jatos. Os ataques de ontem foram reforçados por 19 aviões americanos (B2, F15 e F16), e britânicos, que lançaram mísseis Stormshadow de seus jatos Tornado GR4.

Contudo, o futuro da operação ainda é incerto. O secretário da Defesa americano, Robert Gates, afirmou que, em breve, ela pode passar sob comando da França e Reino Unido, ou então, da Otan. Este último cenário, no entanto, enfrentaria oposição de países aliados do mundo árabe. Por sua vez, a Otan aprovou um plano militar para implantar um embargo de armas sobre a Líbia

- Há sensibilidade dos árabes em operar sob comando da Otan. Precisamos descobrir como usar equipamentos da Otan sem transformar isso numa operação da Otan.

Os alvos da segunda noite de ataques não foram especificados, mas se concentraram em Trípoli e arredores. Numa primeira avaliação divulgada pela coalizão, o chefe do Estado-Maior americano, Mike Muller, afirmou que haviam conseguido estabelecer a zona de exclusão aérea, detendo o avanço das forças do governo contra Benghazi, a sede do movimento rebelde.

Freio em Benghazi, avanço em Misurata

Mas os ataques da coalizão não parecem ter intimidado Kadafi, que falou por telefone à TV estatal - sem veicular sua imagem por questões de segurança - lançando novas ameaças contra as forças internacionais, a quem chamou de "terroristas". Fazendo coro às afirmações do ditador de que armaria a população contra as forças internacionais, o Ministério da Defesa líbio anunciou que estava distribuindo armas a mais de um milhão de homens e mulheres.

- Prometemos uma guerra longa - disse Kadafi, enquanto a TV mostrava imagens de uma escultura em forma de punho esmagando aviões americanos. - Não vamos deixar a nossa terra. Vamos lutar contra vocês. Não deixaremos petróleo para os EUA, França e Reino Unido.

A ameaça verbal foi seguida de um ataque por terra culminando na tomada da cidade de Misurata - que estava nas mãos dos rebeldes. Carros de combate das forças leais ao regime ocuparam o centro da cidade, a 150 quilômetros de Trípoli, e que há dias vem sendo alvo de fortes disputas entre os dois lados. Testemunhas relataram que houve muitas vítimas. Após a ofensiva, à noite, o Exército de Kadafi declarou um cessar-fogo, logo questionado por David Cameron e aliados.

- Todos se lembram que nos últimos dias o coronel Kadafi declarou um cessar-fogo que foi rapidamente violado - disse.

Já em Benghazi, que estava sob ataque do governo antes da operação dos aliados, o clima era de alívio entre rebeldes, apesar de tiros e explosões ainda serem ouvidos perto da cidade. Membros do movimento insurgente começaram a se reagrupar, recolhendo armas e munições de veículos militares do regime destruídos nos arredores da cidade por caças franceses na véspera. Repórteres presentes na região dão conta de ao menos 14 corpos junto aos veículos militares atingidos. À noite, grupos de insurgentes já pegavam a estrada de volta a Ajdabiya, de onde foram expulsos por militares de Kadafi.