Título: Obama chega em meio a incertezas
Autor: Araújo, Vera; Magalhães, Luiz Ernesto
Fonte: O Globo, 19/03/2011, O País, p. 3

Expectativa é de acordos comerciais, mas ainda há indefinições sobre agenda no Rio

O presidente americano, Barack Obama, chega hoje cedo ao Brasil para sua primeira e histórica visita ao país, mas as incertezas não são apenas em relação aos possíveis acordos e troca de apoios entre os dois países. Ontem à noite, quando o homem mais poderoso do mundo e sua imensa comitiva já tinham deixado Washington rumo a Brasília, ainda havia indefinições sobre trajetos e locais a serem visitados por Obama e sua família no Rio, onde ele desembarca hoje à noite, depois de passar o dia em Brasília.

Apesar do grande aparato mobilizado para sua segurança, envolvendo o serviço secreto americano, as Forças Armadas e as polícias Federal, Civil e Militar, a confusão entre eles começou antes mesmo da preparação do evento, quando o staff de Obama decidiu que os atiradores de elite posicionados ao longo do trajeto da comitiva no Rio teriam que ser americanos. Diante da imposição do serviço secreto, o Ministério da Defesa teve que intervir e invocar o princípio da soberania territorial. O último mal-estar ocorreu anteontem, durante o cancelamento do discurso do presidente para o público na Cinelândia, transferido para o Theatro Municipal - como revelou Ancelmo Gois em sua coluna, ontem. Até ontem à noite, a lista dos convidados para o evento fechado, amanhã à tarde, não estava concluída.

Os desentendimentos surgiram até em questões aparentemente simples, como a instalação de banheiros químicos na Cinelândia, quando ainda estava de pé o evento ao ar livre. Os americanos queriam retirar os sanitários temendo que algo, de tomates a bombas, pudesse ser escondido neles e usado contra o presidente. Autoridades militares brasileiras não concordaram, como também não aceitaram que a revista ao público que entrasse na praça fosse feita por americanos, e não pelas forças policiais brasileiras.

Na verdade, como agentes do FBI já estavam há um mês trabalhando no Rio, os americanos tentaram impor regras que os brasileiros não aceitaram. As reuniões com a equipe de Brasil começaram na última segunda-feira. Com prancheta em punho, um integrante do serviço secreto assinalava com um sinal de dever cumprido o planejamento que fizera.

- Imagine delegar o policiamento de parte do território brasileiro aos americanos. A Cinelândia não é o consulado ou a embaixada dos EUA - disse uma das autoridades responsáveis pelo planejamento da visita de Obama no Rio.

As divergências também surgiram em relação a outros pontos. Os americanos queriam confinar o público que entrasse na Cinelândia até o fim do evento. Temendo tumultos, o governo estadual foi contra. Desde que a embaixada americana anunciou o discurso ao povo, na Cinelândia, os governos federal e do Rio se opuseram, mas o evento só foi cancelado na quinta-feira à noite.

- Nós fornecemos tudo o que os americanos pediram de dados sobre a cidade. O problema é que eles alteram tudo a todo momento, e isso dificulta o planejamento local. Para complicar, os americanos compartimentalizam as informações. Não há ninguém que até agora tenha dado informações sobre o todo em relação à segurança - reclamou outra autoridade.

A decisão de cancelar o discurso público na Cinelândia teria sido motivada também por informações que chegaram aos serviços de inteligência tanto dos americanos quanto do Exército Brasileiro de que manifestantes pretendiam atrapalhar o pronunciamento do presidente. Uma das notícias era a de que haveria a possibilidade até de grupos atirarem bolas de gude no sistema de som, a fim de simular o barulho de tiros, confundindo assim os responsáveis pela segurança de Obama.

Os desencontros entre americanos e brasileiros incluíram até o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame. O serviço secreto queria apenas que o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes fossem credenciados para os eventos na Cidade de Deus. Foram horas de discussão até Beltrame ser incluído.

Mas foi, sem dúvidas, ao tentar estabelecer que os atiradores de elite fossem americanos que os brasileiros não pensaram duas vezes: se recusaram veementemente. O serviço secreto dos Estados Unidos alegou que, durante a visita do ex-presidente George W. Bush, em setembro do ano passado, em São Paulo, foram espalhados atiradores pelo trajeto da comitiva dele. Para acabar com o impasse que, por pouco, não suspendeu a visita de Obama, ficou acertado que os observadores fossem todos brasileiros, assim como a maioria dos atiradores.

Os observadores são especialistas que ficam nos pontos mais altos, identificam os suspeitos e relatam para o coordenador qualquer situação de perigo. Ao receber do Centro de Comando a ordem para atirar, o observador avisa ao atirador. Nesse caso, a decisão de atirar ficou nas mãos de outro brasileiro, o general de brigada Fernando José Lavaquial Sardenberg, coordenador de segurança de área. Com jogo de cintura, é ele quem vem tentando resolver os impasses entre o serviço secreto americano e a força precursora brasileira que cuida da segurança de Obama.

- Tudo foi negociado, mas enfatizamos a importância de alterar algumas situações que julgávamos serem questões de segurança nacional. Nós não queríamos o uso de atiradores por eles. Entendemos que aqui é Brasil. Afinal de contas, os nossos alvos seriam brasileiros. Não cabia a eles tal tarefa. Embora tenha sido combinado que haverá alguns atiradores de elite americanos, nós exigimos que os observadores fossem nossos - explicou Sardenberg.

As mudanças da programação do presidente e de sua família ainda atrapalham muito o planejamento da segurança pelos brasileiros. Para se ter uma ideia, a escolha, na última hora, da Cidade do Samba, na Gamboa, como local de visita por parte da primeira-dama americana, Michelle Obama, complicou o esquema brasileiro. A Brigada Paraquedista e a Polícia Federal precisaram arregimentar mais homens, sendo que a segunda instituição buscou reforço em outros estados.

Há detalhes considerados essenciais que ainda não estão obscuros. Um deles é o roteiro da passagem das comitivas. As autoridades locais até ontem não tinham essa informação. Isso é importante porque, na madrugada de domingo, agentes das polícias Civil e Federal vão inspecionar todos os bueiros no trajeto. A posição dos atiradores de elite também está condicionada à definição do percurso. Se mudar mais algum local na última hora, complica a eficiência do sistema de segurança.

Uma coisa está mais do que certa: a partir das 18h de hoje, o espaço aéreo do Rio vira área de exclusão, a fim de permitir a passagem segura de Obama, família e comitiva por terra. Pelo menos um comboio de 40 veículos vai atravessar vários bairros de hoje até a manhã de segunda.

- Peço que as pessoas tenham paciência nas ruas. Tudo vai estar muito bem sinalizado, com batedores do Exército fechando as ruas com segurança - ponderou o general.

Sardenberg minimiza os conflitos, explicando que o serviço secreto americano discutiu todos os pontos com a equipe brasileira:

- Temos que entender que o presidente Obama é o alvo nº 1 do mundo, num momento delicado na política internacional, portanto, é compreensível toda essa preocupação. Conflitos de competência são comuns, mas fizemos os ajustes necessários, e tudo ficou bem.

Para controlar os passos do presidente, haverá dois centros de comando: um no Hotel Marriot, onde Obama ficará com a família, e outro no Forte do Leme. O primeiro será dirigido por americanos, mas haverá a presença de oficiais do Exército e da PF participando das decisões. Já no Forte do Leme, o comando está com Sardenberg, mas também haverá agentes do serviço secreto. Os dois postos receberão imagens on-line do helicóptero da Polícia Civil com câmera para filmar onde o presidente irá passar.