Título: Do passeio em carro aberto à blindagem total
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 19/03/2011, O País, p. 15

Desde 1928, dez presidentes americanos visitaram o Brasil: sucessão de gafes e poucos resultados práticos

O clima não era dos melhores quando Herbert Hoover, o primeiro presidente americano a visitar o Brasil, desembarcou na Praça Mauá em dezembro de 1928. Ele chegava de Buenos Aires, onde sua passagem fora marcada pela mesma frieza e gestos de protesto que enfrentara na Bolívia e Paraguai. Nada indicava que, no Rio, seria diferente. Mas os cariocas surpreenderam. Em vez de hostilidade ao já temido poderio americano, a visita teve calorosa acolhida, a ponto de inspirar o modernista Oswald de Andrade.

¿ Abra a joia de suas portas, Guanabara; para receber os canhões de Utah, onde vem o presidente eleito; da grande democracia americana ¿ registrou o poeta.

Depois de Hoover, outros oito presidentes estiveram no Brasil. Se sobraram gafes, queixas mútuas e promessas posteriormente descumpridas, é também verdade que, em nenhuma das visitas, aí incluindo a do caubói republicano Ronald Reagan, e da dupla Bush pai e Bush filho, o histórico antiamericanismo de setores da sociedade brasileira, sempre desconfiados das intenções ianques, jamais eclipsou o brilho das solenidades e o orgulho do anfitrião.

Cavalgadas, bate-bola e poucos resultados

Entre passeios em carro aberto, saudados com confetes e serpentinas, cavalgadas na Granja do Torto, bate-bola com Pelé na Mangueira e outras cenas insólitas, Truman, Reagan, Clinton e outros chefes americanos procuraram entrar no clima local. De resultados práticos, contudo, pouco se extraiu das sucessão de visitas oficiais, como analisa a professora Cristina Pecequilo, do Departamento de Relações Internacionais da Unifesp:

¿ De todas, a mais importante foi a passagem de Roosevelt pelo Brasil em 1942. Em troca da entrada do país na Segunda Guerra ao lado dos aliados e instalação da base aérea em Natal, Getúlio Vargas conseguiu financiamento para a construção das Companha Siderúrgica Nacional (CSN).

Apesar de Hitler, a paranoia com segurança não era grande e permitiu que Franklin Delano Roosevelt, que voltava de Casablanca (África), onde havia se encontrado com o primeiro-ministro britânico Wiston Churchil e o presidente russo Josef Stalin, circulasse em carro aberto ao lado do presidente Getúlio Vargas pelas ruas de Natal.

¿ Depois disso, as relações bilaterais mergulharam num vácuo. Os Estados Unidos estavam mais preocupados com a reconstrução da Europa e o fantasma da Guerra Fria. Em consequência, houve um vazio de propostas para o Brasil ¿ disse Cristina.

Fidel Castro ainda estudava Direito na Universidade de Havana quando Harry Truman veio ao Brasil, em setembro de 1947, para iniciar discretamente a blindagem dos irmãos do sul do perigo comunista. Em clima de anos dourados, presidiu no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, a ¿Conferência para a Manutenção da Paz e da Segurança no Continente¿, destinada a conter o perigo vermelho.

Em 1960, o encanto latino despertado pela dupla Che Guevara e Fidel já assombrava quando Dwight Eisenhower chegou ao país. Mais uma vez, a cordialidade nacional ofuscou a tensão. Em clima de carnaval, Juscelino Kubitscheck, o presidente Bossa Nova, conduziu o colega americano em desfile de Cadillac pela avenida Rio Branco, sob aplausos, confetes e serpentinas.

Depois disso, se passaram 18 anos até Geisel receber Jimmy Carter. De todas, talvez tenha sido mais austera das visitas. Em comum entre os EUA e o governo militar brasileiro, só a aversão ao comunismo. Porém, o democrata Carter batia firme nos abusos praticados pelos porões da ditadura, o que ornou a fisionomia dos presidentes, nas recepções de praxe, de um indisfarçável sorriso amarelo.

Uma ou outra gafes eram comuns a cada nova visita, mas nenhuma delas superou mancada de Ronald Reagan em 1982. Empolgado após uma cavalgada na Granja do Torto com presidente Figueiredo, Reagan, quando terminava um discurso no Itamaraty, convocou os presentes a um brinde ao povo ... da Bolívia. Tentando corrigir, disse que ¿esse é o lugar para onde estou (estava) indo¿. Mais uma saia justa: ele iria para a Colômbia.

As viagens, porém, foram perdendo o glamour na medida em que cresciam as preocupações com a segurança. Em 1981, durante a visita do então vice-presidente George Bush, homens-rãs americanos chegaram a vasculhar o lago que circula o Itamarati.

George W. Bush veio ao país duas vezes, com Fernando Henrique (2001) e Lula (2005), mas a última cena singular coube a Clinton, em 1997, na troca de passes com Pelé na Mangueira, situação antologicamente descrita por Jamelão: ¿Ele estava que nem pinto no lixo¿.