Título: A saga dos refugiados nucleares
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Fonte: O Globo, 19/03/2011, O Mundo, p. 47

Descrença em informações do governo cria pânico e provoca êxodo

YAMAGATA, Japão. Nem o terremoto, nem a tsunami ou dias sem eletricidade, água e aquecimento fizeram com que Sadako Shiga, de 70 anos, deixasse sua casa. O que finalmente fez com que ela fugisse foi algo invisível mas para ela muito mais sinistro: a radiação.

Enquanto explosões e incêndios atingiam uma usina nuclear a 40 quilômetros de sua casa em Fukushima, a senhora Shiga e sua família carregaram seu carro com cobertores, água e comida e se dirigiram às montanhas.

¿ Estávamos correndo por nossas vidas ¿ diz.

Eles são parte de um êxodo crescente ¿ quase 100 mil pessoas, segundo a rede NHK ¿ acelerado por uma onda de pânico causada pelo medo da radiação e pela descrença nos relatos do governo sobre a dimensão do perigo. Ao fugir, esses refugiados nucleares passam a viver num limbo, acampando no chão de ginásios com centenas de outras pessoas, sem saber se voltarão para casa.

¿ Se Fukushima se tornar uma nova Three-Mile Island ou Chernobyl, então nunca voltaremos ¿ diz Akio Sanpei, um acupunturista de 61 anos.

Nos abrigos em torno de Fukushima, médicos em máscaras e trajes especiais checam os recém-chegados com contadores Geiser para medir a radiação. Ichiro Yamaguchi, que dirige uma estação dessas no município de Yamagata, diz que muitos têm níveis baixos de radiação, mas nenhum até agora em patamares perigosos.

Mesmo pessoas além do raio da zona de evacuação estão buscando os abrigos, caso de Junya Kikuchi, um operário de 28 anos que está em Yamagata com a mulher, grávida de seis meses. Um terço dos habitantes de sua cidade partiram, ele afirma:

¿ Quando alguns começam a fugir, outros resolvem fazer o mesmo.

Hitoshi Suzuki, um pedreiro de 34 anos, diz que a suspeita em relação ao governo foi um dos principais motivos para que ele deixasse sua casa em Haramachi. Puxando o celular, ele mostra diversos sites afirmando que o governo esconde a real extensão do dano às usinas.

¿ Talvez estejamos tendo uma reação exagerada, mas também sabemos que a Tokyo Electric [operadora das usinas] não está nos contando tudo ¿ afirma.

Kumiko Kowata, uma carpinteira de 45 anos, vivia na área coberta pela ordem de não sair de casa. Mas, ela explicou, depois que o terremoto acabou com o abastecimento de água, foi impossível seguir a ordem:

¿ Como você pode ficar dentro de casa se precisa sair para tomar água?

O êxodo também foi estimulado por empresas privadas nas cidades próximas às usinas que alugaram ônibus para ajudar seus empregados e famílias a fugirem para Yamagata, embora o governo minimizasse os riscos para a região.

Outro que fugiu foi Koichi Tsuji, um motorista de caminhão de 53 anos de Minamisoma, segundo quem apenas as pessoas em abrigos de tsunami ¿ que haviam perdido tanto as casas quanto os carros ¿ ficaram para trás:

¿ Todo mundo estava abandonando minha vizinhança.

Empregado de uma empresa farmacêutica, Munehiro Okamoto, de 36 anos, liderou um comboio de quatro carros e quinze pessoas, além de um cachorro, de Namei para Yamagata.

Segundo ele, as famílias abandonaram a cidade, próxima a Fukushima, com medo de que as crianças fossem contaminadas. O grupo, acrescentou, parou em várias cidades mas retomou a viagem em seguida, com medo de que ainda não estivesse distante o bastante.