Título: Japão já cogita soterrar usinas danificadas
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Fonte: O Globo, 19/03/2011, O Mundo, p. 47

Energia elétrica já pode ser religada, mas governo eleva classificação de gravidade e admite resposta lenta à crise atômica

TÓQUIO. Na contramão dos primeiros sinais de progresso nas tentativas de resfriar as usinas avariadas do complexo nuclear de Fukushima I (Daiichi), o governo do Japão cedeu e, finalmente, elevou a classificação de gravidade da crise do nível 4 para o nível 5 na escala internacional ¿ que tem sete níveis ¿ equiparando-o ao acidente Three Mile Island, nos Estados Unidos, em 1979. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a situação é grave, mas não piorou nos últimos dois dias. Contudo, engenheiros japoneses não descartam a opção de usar toneladas de areia e concreto para soterrar as usinas danificadas caso as equipes de emergência não consigam resfriar as estruturas e impedir uma liberação catastrófica de altos níveis de radiação ¿ método, aliás, usado para impedir vazamentos após o acidente de Chernobyl, em 1986.

O plano, embora extremo, é uma opção caso seja impossível resfriar completamente os reatores danificados. Pelo menos 300 funcionários da Tokyo Electric Power Company (Tepco) trabalham em Fukushima e, ontem, a empresa terminou a instalação de um cabo externo e reconectou a energia elétrica nos dois reatores menos atingidos, o 1 e o 2 ¿ o que poderia permitir, ainda, hoje, a ligação das bombas d¿água para diminuir as temperaturas das varetas de combustível nuclear superaquecidas e parcialmente expostas por uma série de explosões. Segundo o porta-voz da agência de segurança nuclear japonesa, Hidehiko Nishiyama, o sucesso da empreitada vai depender do estado de funcionamento das bombas ¿ cujas funções ainda não puderam ser verificadas de perto pelos peritos. A primeira tentativa ocorrerá no reator 2, seguido pelos 1, 3 e 4.

¿Não seria impossível enterrar os reatores sob uma capa de concreto. Mas nossa prioridade neste momento é tentar primeiro resfriá-los¿, declarou um representante da Tepco.

Uma semana depois, homenagem às vítimas

A ideia de soterrar o complexo, no entanto, provocou alguma polêmica. Além de caro, o plano significaria que toda aquela área do Japão se tornaria território proibido por várias décadas ¿ como em Chernobyl, onde, até hoje, seres humanos podem permanecer por, no máximo, 15 minutos.

¿ Os reatores são um pouco como máquinas de café. Se deixar o calor ligado, vazio, o interior ferve até secar e rachar. Colocar concreto sobre isso não torna sua máquina de café mais segura ¿ advertiu o professor Murray Jenex, da Universidade de San Diego, na Califórnia.

A grande quantidade de fumaça que ainda encobria o local levou à suspensão das operações de helicóptero sobre o complexo de Fukushima, mas caminhões-pipa retomaram os trabalhos de lançar jatos d¿água para resfriar os reatores 1, 2 e 3 ¿ que usa plutônio como combustível, substância ainda mais tóxica que o urânio enriquecido¿ cujos núcleos estariam afetados e parcialmente derretidos. O chefe da AIEA, Yukiya Amano, reuniu-se em Tóquio com o premier japonês, Naoto Kan. Num pronunciamento à TV estatal, o primeiro-ministro passou aos japoneses uma mensagem de otimismo, dizendo aos cidadãos que ¿todos devem participar juntos das ações pare reconstruir o país do zero¿. A tarefa de mea culpa, no entanto, foi delegada ao porta-voz do governo, Yukio Edano, obrigado a admitir que a resposta à crise ¿poderia ter sido mais ágil¿.

¿ Um terremoto e uma tsunami de dimensões sem precedentes atingiram o Japão. Em consequência disso, aconteceram coisas que não tinham sido previstas em matéria da reação geral ao desastre ¿ admitiu.

Apesar das tentativas de conter o alarmismo diante de uma debandada cada vez maior do país, num sinal de que o pior cenário não está descartado ¿ o derretimento total dos núcleos dos reatores ¿ o Japão planeja importar 150 toneladas de ácido bórico da Coreia do Sul e da França. O material, que absorve nêutrons, poderia ser misturado à água e usado nas tentativas de impedir o colapso das usinas.

EUA vão testar comida japonesa para radiação

Uma semana após o terremoto e as tsunamis que devastaram o país, o número de mortes confirmadas já chega a quase sete mil e, segundo a Polícia Nacional, outras 10.319 pessoas estão desaparecidas. Ontem, às 14h46m (2h46m de Brasília), momento exato do sismo, os japoneses pararam em um minuto de silêncio em memória às vítimas da catástrofe.

Pequenas quantidades de radiação foram detectadas ontem na cidade de Sacramento, na Califórnia, mas o governo americano descartou qualquer risco de contaminação prejudicial aos Estados Unidos. Mas, num comunicado, a FDA, agência americana que regula remédios e alimentos, afirmou que vai submeter a testes todos os alimentos importados do Japão ¿ ou que tenham passado pelo país.