Título: Brasil não vai inspecionar passageiros e cargas
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 19/03/2011, O Mundo, p. 48

Diretor da Cnen descarta medição de radioatividade em portos e aeroportos; cientistas recomendam que governo fique alerta

SÃO PAULO. O Brasil não vai inspecionar passageiros e cargas oriundos do Japão que desembarcarem no país mesmo depois da divulgação ontem, pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), de que o acidente nas usinas Daiichi, em Fukushima, tem gravidade maior do que se previa. O diretor de radioproteção e segurança nuclear da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), Laércio Vinhas, descartou a medida de segurança por parte dos aeroportos brasileiros, assim como a ideia de fazer uma operação de retirada de dekasseguis. Segundo ele, não há risco de contaminação.

- Esperamos que o Japão não inaugure o nível seis na escala Ines (de acidentes nucleares, que vai até 7) e que a situação se estabilize. Pelo nível de contaminação no Japão, essa medida de monitoramento dos passageiros não se justifica - afirmou Vinhas, em entrevista por telefone ao GLOBO: - A escala Ines não é uma escala de emergência, ela é uma escala de constatação. Identifica em que grau está o acidente. Agora, ele está pior do que no início. Mas não significa que vá continuar a piorar.

Segundo Vinhas, o aumento da gravidade do acidente não deve mudar a postura do Brasil:

- Essa classificação na escala Ines só veio a confirmar o que já sabíamos: houve uma liberação de material nuclear fora da área de propriedade da empresa operadora do usina, o que já caracteriza um acidente de nível cinco. No entanto, entre as 190 mil pessoas retiradas pelo governo da zona de exclusão, o nível de contaminação foi baixíssimo e sem gravidade.

Falta de voos diretos dificulta a contaminação

O diretor da Cnen afirmou ainda que a falta de voos diretos entre Brasil e Japão dificulta a contaminação no país. Uma das escalas dos voos que têm vindo de cidades japonesas é nos Estados Unidos, país que tem monitorado passageiros e cargas. Segundo Vinhas, a medida de segurança americana elimina, por enquanto, a iniciativa no Brasil.

Vinhas explicou que não há risco de contaminação entre as pessoas, e que as medidas em relação à importação de produtos japoneses, embora não sejam de controle da Cnen, devem aguardar os desdobramentos do controle da crise em Fukushima. Segundo a comissão, o país tem condições de monitorar cargas e passageiros com rapidez:

- Tomamos as medidas para estar preparados caso seja necessária uma ação da Cnen. Temos equipamento e pessoal, que seria deslocado para essa função, como fizemos durante os Jogos Panamericanos, quando monitoramos todas as pessoas que entravam nos estádios.

O cientista nuclear José Goldemberg, da USP (Universidade de São Paulo), afirmou que o Brasil pode ter tomado a medida de não inspecionar os passageiros para "não alarmar a população". Entretanto, o cientista afirma que o governo deveria "ficar alerta" com o ingresso de passageiros e também com a importação, sobretudo de alimentos japoneses.

- Alguns países já estão fazendo a inspeção. Considero uma medida de prudência. Mas, por enquanto, também sabemos que a radioatividade não se espalhou muito até agora. Eu (se fosse o governo) ficaria alerta.

O diretor da Coppe/UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa, defendeu que o Brasil deveria ao menos "admitir a possibilidade de fazer o monitoramento".

- O país deveria admitir essa hipótese e se preparar para isso. Deveria admitir a colocação de detectores de radiação nos dois principais aeroportos, no Rio e em São Paulo, além de colocar fiscalizadores de radiação.

Sobre a importação de produtos japoneses, Pinguelli estima que o país não deveria esperar para monitorar os peixes e frutos do mar importados do Japão, uma vez que podem ter sido submetidos à radiação quando a nuvem radioativa seguiu em direção ao oceano.

- Acho que a importação de peixes deveria ser monitorada por amostragem.